Direitos Reservados
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Portugal ainda sem estratégia para combater a pirataria de conteúdos audiovisuais

União Europeia já tem diretivas para “atacar” o problema mas Portugal tarda em atuar. Operadores e indústrias culturais e criativas olham para Alemanha, França, Dinamarca e Reino Unido como exemplos a seguir.
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O consumo de conteúdos audiovisuais em plataformas ilegais é um crime público, que coloca em risco dados pessoais, abre a porta a vírus informáticos que expõem a terceiros conteúdos privados, pagamentos online, dados bancários, podendo contribuir para o financiamento do crime organizado ou redes de terrorismo, além do impacto fiscal para o Estado.

Dentro da União Europeia, Portugal tem uma ação limitada e tarda em torná-la mais eficiente face à evolução tecnológica, de acordo com os alertas das empresas de telecomunicações e das indústrias criativas e culturais, que defendem ser as mais lesadas, uma vez que a prática afeta a subsistência de empregos e criar dano na valorização da propriedade intelectual.

Dados do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) apontam que um milhão de utilizadores já acedeu a conteúdos de forma ilegal, em Portugal, registando-se 288 mil lares com acessos a serviços digitais e audiovisuais ilegais com subscrição mensal, vulgo IPTV.

Portugal é o nono país que mais consome pirataria digital e audiovisual e o quarto onde mais jovens (34%) admite aceder a sites ilegais para entretenimento - séries, filmes e eventos desportivos são os mais procurados.

Aqueles dados foram apurados entre 2018 e 2022, em diferentes análises do EUIPO, mas Pedro Mota Soares, secretário-geral da Associação dos Operadores de Comunicações Eletrónicas (Apritel), não tem dúvidas que “Portugal está entre os países europeus que mais consome pirataria audiovisual e digital”, sendo este um “fenómeno crescente” e lesivo para o Estado.

“A pirataria tem impacto económico significativo, estimando-se uma perda anual para a economia portuguesa que ascende a 250 milhões de euros, dos quais cerca de 70 milhões em IVA e IRC [que não é captado pelo Estado]”, argumenta Mota Soares.

Para o responsável, “é urgente” a sensibilização dos consumidores “para os prejuízos e riscos associados”, bem como a “adoção de mecanismos eficazes de prevenção e dissuasão do consumo”.

“Não podemos ficar para trás, quando muitos na Europa estão a avançar”, realça o líder da Apritel, indicando que Alemanha, França, Dinamarca e Reino Unido “já dispõem de mecanismos legais para dissuadir e penalizar [cease & desist] o consumo de pirataria digital”, e que Itália e Espanha também estão “a dar passos nesse sentido”.

Caça às IPTV's

Em França o sistema de advertências e ações judiciais levou o regulador Arcom registar uma diminuição de 27% no número de utilizadores mensais de sites ilegais, para 8,3 milhões, em 2023. Em Espanha, o Tribunal Comercial decidiu obrigar as telecom a informarem a LaLiga sobre os endereços IP (identidade do computador) e dados pessoais de quem utilizar os seus serviços para ver futebol pirata.

Na última semana, Itália aprovou e reforçou o modelo cease & desist e ordenou que os IP’s hospedados em sites ilegais sejam bloqueados, bem como o acesso às plataformas. Já as telecom passam a estar obrigadas a alertar as autoridades para “condutas criminalmente relevantes”. Para os utilizadores, as multas podem chegar aos 150 euros por uma única visualização ilícita, até um máximo de 5000 euros para quem subscrever serviços não autorizados.

Comparando o impacto das medidas que existem em cada país, Portugal fica no meio da tabela (ver quadro abaixo).

Piratas em terra de ninguém

Em 2015, foi assinado um memorando de entendimento que envolvia a Apritel, as indústrias criativas e culturais e o Governo no combate contra a violação dos direitos de autor e direitos conexos, que é o que ocorre quando alguém acede a um conteúdo sem que o autor seja ressarcido.

O protocolo previa uma ação concertada de todos os interessados na identificação e bloqueio de plataformas ilegais, e acabou por ganhar força com a Lei 82/2021, que enquadrava a fiscalização, controlo, remoção e impedimento do acesso em ambiente digital a conteúdos protegidos, tendo a Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC) como autoridade nacional competente.

A eficácia do diploma, contudo, tem sido insuficiente considerando a rápida evolução tecnológica. E mesmo com a transposição das diretivas europeias sobre o exercício do direito de autor e direitos conexos, no verão de 2023 (com atraso de dois anos), o combate à pirataria digital e audiovisual deixa a desejar.

Para o líder da Apritel, “é fundamental” que o país também crie um “modelo de cease & desist”.

No programa Sociedade Civil, da RTP2, num episódio em junho, Luís Silveira Botelho, inspetor-geral do IGAC, concordava serem necessários “acordos de regulação” e uma “visão holística tripartida [pedagogia, prevenção e repressão]”, para atacar uma realidade “trágica e perversa”.  Na mesma ocasião, António Paulo Santos, diretor-geral da GEDIPE - Associação para a Gestão Coletiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais, apelou à criação de mecanismos para que a pirataria não ponha em causa as indústrias criativas e culturais.

O DN contactou o Governo para perceber que trabalho está a ser feito, mas sem sucesso. Infere-se que o tema, do interesse de várias áreas governativas, está por aprofundar. Primeiro, houve a indicação que o dossier estava com o Ministério da Administração Interna. Mas não estava. Seguiu-se a indicação de que poderia ser com a Justiça. Novo equívoco. Eis o Ministério da Juventude e Modernização, pela temática tocar no pilar digital, até que chega a confirmação que o tema está na Presidência do Conselho de Ministros, que não respondeu às questões do DN até ao fecho da edição.

Anacom pode vir a ajudar

Numa pista paralela, decorre outro trabalho possivelmente complementar ao tema da pirataria digital e de conteúdos audiovisuais.

Desde fevereiro que a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) é o regulador para os serviços digitais, partilhando a competência de coordenador dos serviços digitais com o IGAC e com a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

A regulação dos serviços digitais surgiu por diretiva da UE, que considera que tudo o que é crime offline também pode ser online. Em fevereiro deste ano, foi criado um grupo de trabalho para sugerir um plano ao Governo. Essa  equipa já “remeteu aos membros do Governo responsáveis um relatório final” este verão, disse fonte oficial ao DN. Quanto à pirataria digital e audiovisual, nada foi pedido pelo executivo ou feito pelo regulador, segundo a mesma fonte.

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