A visão sistémica da sustentabilidade

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O mundo enfrenta problemas interligados como alterações climáticas, poluição, perda de biodiversidade, secas, incêndios, intolerância e pobreza. A pandemia Covid-19 e as guerras na Ucrânia e no Médio Oriente vieram expor fragilidades sistémicas, interrompendo cadeias de abastecimento e retraindo fontes de matérias-primas, o que revela a vulnerabilidade do nosso sistema económico. Nesse contexto de crises, a dependência excessiva de combustíveis fósseis e de produção externa agrava a escassez, a inflação e a desordem social. Torna-se urgente construir sistemas mais resilientes, focados em recursos locais, e redesenhar a economia de modo sustentável.

A União Europeia tem dado passos importantes ao impor regulamentos para reduzir impactos negativos, desde logo os derivados das emissões de gases de efeito de estufa e do uso dominante de combustíveis fósseis, mas isso não é suficiente. A sustentabilidade tem sido abordada de forma fragmentada, com foco em "fazer menos mal". O que sugere dar pequenos passos. Num momento em que cientistas nos mostram, de forma robusta, que seis dos nove sistemas planetários se encontram fora de limites seguros para a humanidade, o momento exige ir claramente mais longe: restaurar o equilíbrio natural do planeta com pensamento fortemente sustentável (“não fazer qualquer mal”) e perspetivar a reversão da situação, apostar em ser regenerativo. O desafio é criar uma economia global, mais inclusiva e estável, que prospere dentro dos limites sociais e ambientais.

Esta mudança requer ações a todos os níveis, desde o cívico ao empresarial, e uma transformação profunda no sistema educativo, que deve preparar as gerações futuras para os desafios da sustentabilidade. É neste contexto que a economia regenerativa emerge como um modelo promissor, assentando em sistemas vivos que promovem a prosperidade, equidade e bem-estar a longo prazo. Este modelo questiona o crescimento económico exponencial, designadamente na lógica “take – make – waste”, propondo uma alternativa de aposta na relação entre as pessoas e a natureza para a construção de projetos e investimentos verdadeiramente ao serviço dos territórios e comunidades.

As empresas têm um papel central nesta transformação. Devem adotar novos paradigmas que integrem a sustentabilidade na sua estratégia, indo além do lucro imediato e focando-se em criar valor económico a longo prazo. Tal requer uma visão sistémica em que o negócio seja concebido como parte de um ecossistema maior, parte integrante da sociedade, e esta plenamente inserida no meio ambiente. Esta ambição requer lideranças fortes, públicas e privadas, e o seu envolvimento pleno nas mudanças requeridas, bem como a capacitação da gestão para abordagens transdisciplinares.

A inovação é, assim, fundamental para criar e fazer uso de tecnologias que apoiem esta transição, mas depende de uma liderança empresarial visionária, que oriente a sua ação por princípios de circularidade, sustentabilidade e regeneração. Que estas agendas sejam parte fulcral da estratégia de negócio, e não apenas um “apêndice”. A gestão deve ser orientada por métricas de valor económico e não apenas por critérios financeiros inspirados no primado absoluto da criação de valor para o acionista, o qual é reducionista e cada vez mais se revelará como um modelo esgotado.

Em suma, a visão sistémica da sustentabilidade é o caminho para uma nova economia, mais justa, estável e regenerativa. E Portugal pode liderar essa mudança. 

João Pinto, Dean da Católica Porto Business School

António Vasconcelos, Leader, Planetiers New Generation

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