Procuradoria-Geral da República surge como protagonista de grande parte da críticas do manifesto.
Procuradoria-Geral da República surge como protagonista de grande parte da críticas do manifesto.Steven Governo / Global Imagens

MP sob pressão. 50 figuras da política reclamam reforma da justiça

Santos Silva, Rui Rio e Leonor Beleza são alguns dos signatários desta missiva que acusa “a ação do Ministério Público” de ter gerado “a queda de duas maiorias parlamentares”.
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O número 50 impõe-se numa carta dirigida às mais altas instituições, exigindo “uma reforma da justiça em defesa do estado de direito democrático”. São 50 signatários, entre o ex-presidente do PSD, Rui Rio, o ex-presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva,  a antiga governante Leonor Beleza ou o jornalista Miguel Sousa Tavares, e não é por acaso que este manifesto surge quando se celebram 50 anos de democracia.

Pedem ao Presidente da República, ao Parlamento, ao Governo e aos partidos políticos que se assumam como prioridade esta mudança, que passa, entre outras coisas, por “garantir uma efetiva separação entre o poder político e a justiça” mas sem subtrair “ao poder político democrático a sua responsabilidade na definição e execução da política de justiça”.

Em dez pontos, as 50 figuras da democracia sintetizam críticas à atuação da justiça portuguesa,  onde também se incluem apreciações à ação da comunicação social, principalmente no que diz respeito à forma como é tratado o segredo de justiça e como é montado o “espetáculo mediático” quando se trata de “intervenções do Ministério Público contra agentes políticos”.

“Apesar de constitucionalmente protegido”, aponta o manifesto a que o DN teve acesso, “as recorrentes quebras do segredo de justiça, com a participação ativa de grande parte da comunicação social, dão azo a julgamentos populares, boicotam a investigação e atropelam de forma grosseira os mais elementares direitos de muitos cidadãos, penalizando-os cruelmente para o resto das suas vidas”.

No entender dos proponentes deste manifesto, as “notícias sobre investigações em curso” têm contribuído para que se confunda “intencionalmente a árvore com a floresta, formatando a opinião pública para a ideia de que todos os titulares de cargos públicos são iguais e que todos são corruptos até prova em contrário”.

Assim, continua o documento, “esta forma perversa de atuar, com contornos mais políticos do que judiciários, tem produzido um óbvio desgaste no regime [democrático] e, por consequência, reforça o descontentamento popular e abre as portas ao populismo e à demagogia”.

O documento descreve também como uma situação limite “a ação do Ministério Público” ao “gerar a queda de duas maiorias parlamentares resultantes de eleições recentes”. Esta parte do manifesto refere-se à decisão do ex-primeiro-ministro, António Costa, de deixar o cargo na sequência de um comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR) onde foi visado como estando sob investigação do Ministério Público, e à queda do executivo madeirense, liderado pelo social-democrata Miguel Albuquerque, que acabou por precipitar novas eleições depois de ser constituído arguido numa investigação judicial.

“Em ambos os casos”, sustenta o manifesto dos 50, logo na sua primeira intervenção “os tribunais não deram provimento” e até contrariaram “a narrativa do acusador”.

No que diz respeito a António Costa em concreto, os proponentes desta reforma da justiça dizem que “o país continuou a assistir ao inconcebível, quando, tendo decorrido longos cinco meses entre o primeiro-ministro se ter demitido, na sequência do comunicado da PGR, e a sua cessação de funções, o Ministério Público nem sequer se dignou a informá-lo sobre o objeto do inquérito nem o convocou para qualquer diligência processual”.

Com o dedo apontado ao Ministério Público, o documento refere que as falhas destacadas pela crítica pública generalizada “não tiveram qualquer consequência interna na condução destas investigações e dos atos processuais que delas decorrem, por força de um funcionamento e de uma cultura de perfil corporativo, que manifestamente predomina no Ministério Público”.

Por este motivo, e tendo em conta estes casos apontados, “ao contrário de todos os demais poderes constitucionais, a justiça funciona quase inteiramente à margem de qualquer escrutínio ou responsabilidade democráticos, apesar de ser constitucionalmente administrada em nome do povo”.

O manifesto pela reforma da justiça, que inclui figuras de várias áreas da democracia, entre militares, como o general José Pinto Ramalho, a jornalista Luísa Meireles, ou o presidente da Associação Académica de Coimbra, Renato Daniel, também chega a vários partidos, com históricos do PS, como António Vitorino, ou do PSD, como João Mota Amaral.

Como corolário das intenções dos signatários, o manifesto propõe, a justificar tudo o que é apontado, que a melhor forma de comemorar os “50 anos da democracia portuguesa é reconhecer de forma digna e leal o que a está a fragilizar e, honrando o nome dos que por ela lutaram, ter a coragem e a vontade de mudar”.

Dez motivos para este manifesto

Onde há mais problemas
A reforma da justiça surge como prioridade “por ser o setor do poder público que mais problemas” evidencia. 

Processos demorados
A morosidade, seja na investigação criminal ou noutras jurisdições, é “inadmissível”, até porque põe “em causa a própria realização da justiça”, diz o documento.

Quebras do segredo de justiça
As quebras do segredo de justiça “dão azo a julgamentos populares, boicotam a investigação” e atropelam direitos de muitos cidadãos, sublinha o manifesto.

Normalizar a corrupção
As medidas que restringem os direitos, como as “escutas telefónicas prolongadas” ou as “buscas domiciliárias injustificadas” levam ao “descontentamento popular” e abrem “as portas ao populismo e à demagogia”.

A queda de duas maiorias
“A ação do Ministério Público” gerou “a queda de duas maiorias parlamentares”: a dos governos da República e da Madeira. No primeiro caso, este órgão não informou António Costa “sobre o objeto do inquérito”, critica o manifesto.   

Perfil corporativo do MP
Apesar de todas as falhas apontadas, o Ministério Público não mudou a sua ação, o que se deve a um “funcionamento e de uma cultura de perfil corporativo”.

O poder dos magistrados
A definição da política criminal cabe ao poder político, mas “os magistrados do Ministério Público [...] têm, na prática, um poder sem controlo, quer externa, quer internamente, desde logo, pela assumida desresponsabilização da Procuradora-Geral da República pelas investigações”.

Apelo às mais altas instâncias
O manifesto dirige-se ao Presidente da República, ao Parlamento, ao governo e aos partidos para que resolvam os “estrangulamentos” que minam a eficácia e a “legitimação pública” do Ministério Público.

Regras para a mudança
O documento apela a que a reforma “não seja desenhada à medida dos interesses corporativos dos diversos operadores do sistema”.

Separação de poderes
“À política o que é da política e à justiça o que é da justiça”, mas sem que o poder político subtraia a sua responsabilidade na definição da política de justiça.

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