O número 50 impõe-se numa carta dirigida às mais altas instituições, exigindo “uma reforma da justiça em defesa do estado de direito democrático”. São 50 signatários, entre o ex-presidente do PSD, Rui Rio, o ex-presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, a antiga governante Leonor Beleza ou o jornalista Miguel Sousa Tavares, e não é por acaso que este manifesto surge quando se celebram 50 anos de democracia..Pedem ao Presidente da República, ao Parlamento, ao Governo e aos partidos políticos que se assumam como prioridade esta mudança, que passa, entre outras coisas, por “garantir uma efetiva separação entre o poder político e a justiça” mas sem subtrair “ao poder político democrático a sua responsabilidade na definição e execução da política de justiça”..Em dez pontos, as 50 figuras da democracia sintetizam críticas à atuação da justiça portuguesa, onde também se incluem apreciações à ação da comunicação social, principalmente no que diz respeito à forma como é tratado o segredo de justiça e como é montado o “espetáculo mediático” quando se trata de “intervenções do Ministério Público contra agentes políticos”..“Apesar de constitucionalmente protegido”, aponta o manifesto a que o DN teve acesso, “as recorrentes quebras do segredo de justiça, com a participação ativa de grande parte da comunicação social, dão azo a julgamentos populares, boicotam a investigação e atropelam de forma grosseira os mais elementares direitos de muitos cidadãos, penalizando-os cruelmente para o resto das suas vidas”..No entender dos proponentes deste manifesto, as “notícias sobre investigações em curso” têm contribuído para que se confunda “intencionalmente a árvore com a floresta, formatando a opinião pública para a ideia de que todos os titulares de cargos públicos são iguais e que todos são corruptos até prova em contrário”..Assim, continua o documento, “esta forma perversa de atuar, com contornos mais políticos do que judiciários, tem produzido um óbvio desgaste no regime [democrático] e, por consequência, reforça o descontentamento popular e abre as portas ao populismo e à demagogia”..O documento descreve também como uma situação limite “a ação do Ministério Público” ao “gerar a queda de duas maiorias parlamentares resultantes de eleições recentes”. Esta parte do manifesto refere-se à decisão do ex-primeiro-ministro, António Costa, de deixar o cargo na sequência de um comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR) onde foi visado como estando sob investigação do Ministério Público, e à queda do executivo madeirense, liderado pelo social-democrata Miguel Albuquerque, que acabou por precipitar novas eleições depois de ser constituído arguido numa investigação judicial..“Em ambos os casos”, sustenta o manifesto dos 50, logo na sua primeira intervenção “os tribunais não deram provimento” e até contrariaram “a narrativa do acusador”..No que diz respeito a António Costa em concreto, os proponentes desta reforma da justiça dizem que “o país continuou a assistir ao inconcebível, quando, tendo decorrido longos cinco meses entre o primeiro-ministro se ter demitido, na sequência do comunicado da PGR, e a sua cessação de funções, o Ministério Público nem sequer se dignou a informá-lo sobre o objeto do inquérito nem o convocou para qualquer diligência processual”..Com o dedo apontado ao Ministério Público, o documento refere que as falhas destacadas pela crítica pública generalizada “não tiveram qualquer consequência interna na condução destas investigações e dos atos processuais que delas decorrem, por força de um funcionamento e de uma cultura de perfil corporativo, que manifestamente predomina no Ministério Público”..Por este motivo, e tendo em conta estes casos apontados, “ao contrário de todos os demais poderes constitucionais, a justiça funciona quase inteiramente à margem de qualquer escrutínio ou responsabilidade democráticos, apesar de ser constitucionalmente administrada em nome do povo”..O manifesto pela reforma da justiça, que inclui figuras de várias áreas da democracia, entre militares, como o general José Pinto Ramalho, a jornalista Luísa Meireles, ou o presidente da Associação Académica de Coimbra, Renato Daniel, também chega a vários partidos, com históricos do PS, como António Vitorino, ou do PSD, como João Mota Amaral..Como corolário das intenções dos signatários, o manifesto propõe, a justificar tudo o que é apontado, que a melhor forma de comemorar os “50 anos da democracia portuguesa é reconhecer de forma digna e leal o que a está a fragilizar e, honrando o nome dos que por ela lutaram, ter a coragem e a vontade de mudar”..Dez motivos para este manifesto.Onde há mais problemas A reforma da justiça surge como prioridade “por ser o setor do poder público que mais problemas” evidencia. Processos demorados A morosidade, seja na investigação criminal ou noutras jurisdições, é “inadmissível”, até porque põe “em causa a própria realização da justiça”, diz o documento. Quebras do segredo de justiça As quebras do segredo de justiça “dão azo a julgamentos populares, boicotam a investigação” e atropelam direitos de muitos cidadãos, sublinha o manifesto. Normalizar a corrupção As medidas que restringem os direitos, como as “escutas telefónicas prolongadas” ou as “buscas domiciliárias injustificadas” levam ao “descontentamento popular” e abrem “as portas ao populismo e à demagogia”. A queda de duas maiorias “A ação do Ministério Público” gerou “a queda de duas maiorias parlamentares”: a dos governos da República e da Madeira. No primeiro caso, este órgão não informou António Costa “sobre o objeto do inquérito”, critica o manifesto. Perfil corporativo do MP Apesar de todas as falhas apontadas, o Ministério Público não mudou a sua ação, o que se deve a um “funcionamento e de uma cultura de perfil corporativo”. O poder dos magistrados A definição da política criminal cabe ao poder político, mas “os magistrados do Ministério Público [...] têm, na prática, um poder sem controlo, quer externa, quer internamente, desde logo, pela assumida desresponsabilização da Procuradora-Geral da República pelas investigações”. Apelo às mais altas instâncias O manifesto dirige-se ao Presidente da República, ao Parlamento, ao governo e aos partidos para que resolvam os “estrangulamentos” que minam a eficácia e a “legitimação pública” do Ministério Público. Regras para a mudança O documento apela a que a reforma “não seja desenhada à medida dos interesses corporativos dos diversos operadores do sistema”. Separação de poderes “À política o que é da política e à justiça o que é da justiça”, mas sem que o poder político subtraia a sua responsabilidade na definição da política de justiça.