Dominique Pelicot condenado a 20 anos de prisão por violação agravada. "Muito comovida", Gisèle fala em processo "muito difícil"
O Tribunal de Avignon, no sul da França, considerou esta quinta-feira o ex-marido de Gisèle Pelicot culpado de todas as acusações e condenou-o a 20 anos de prisão, a pena máxima.
O principal arguido deste processo histórico violou Gisèle Pelicot, drogando-a com grandes doses de ansiolíticos, que a deixaram inconsciente e perto do coma, segundo os peritos médicos que testemunharam no início do julgamento, para que fosse ainda violada por dezenas de homens recrutados na Internet.
À pena de 20 anos de prisão está associada uma pena de segurança de "dois terços", segundo o presidente do tribunal criminal, Roger Arata, que indicou que no final da pena, a situação de Dominique Pelicot "será sujeita a uma revisão para avaliar a sua segurança". O arguido ficará ainda registado no arquivo nacional francês de agressores sexuais.
"A única coisa que podemos fazer é recorrer e vamos aproveitar os dez dias que temos pela frente para determinar se queremos voltar a um julgamento com um júri popular", disse Zavarro.
Após conhecida a sentença, Gisèle Pelicot manifestou-se "muito comovida". À multidão que estava junto ao tribunal, afirmou que se tratou de um processo "muito difícil" e disse respeitar a decisão da justiça francesa.
"Estou a pensar, em primeiro lugar, nos meus três filhos e nos meus netos. Foi também por eles que travei esta batalha”, disse Gisèle Pelicot, citada pela imprensa francesa, referindo-se ainda às noras. "Estou a pensar em todas as outras famílias afetadas por esta tragédia e nas vítimas não reconhecidas cujas histórias permanecem muitas vezes na sombra. Partilhamos a mesma luta”, acrescentou.
Gisèle Pelicot disse ainda ter a "confiança" num futuro em que "todos, mulheres e homens, possam viver em harmonia, respeito mútuo e compreensão".
Todos os outros arguidos deste processo foram igualmente considerados culpados, inclusivamente o único que não era acusado de violação. O tribunal considerou 47 homens culpados de violação, dois culpados de tentativa de violação e dois culpados de agressão sexual.
Um dos arguido, Jean-Pierre Maréchal, admitiu no julgamento a autoria dos crimes, embora nunca tenha tocado na vítima, mas replicou os métodos de Dominique com a sua própria mulher, que também foi violada sob o efeito de ansiolíticos pelos dois homens. Foi condenado a 12 anos de prisão.
Os restantes foram condenados a penas muito inferiores às pedidas pelo Ministério Público. Alguns arguidos que estavam em liberdade até agora irão para a cadeia, alguns sairão em liberdade porque já cumpriram pena e parte dela está suspensa.
A segunda pena mais elevada é de 15 anos. Outros três arguidos tiveram penas de 13 anos de prisão. Quatro co-arguidos foram condenados a 5 anos de prisão, parcialmente suspensos, por violação ou tentativa de violação.
O Ministério Público pediu a 27 de novembro a pena máxima de 650 anos de prisão pelo total dos crimes de violação e agressão sexual contra a vítima de 72 anos, que se tornou um símbolo feminista mundial por ter decidido tornar o julgamento público e assistir às sessões com o rosto descoberto "para que a vergonha mude de lado".
A pena mais longa pedida e o máximo contemplado pela lei em França eram 20 anos de prisão para o ex-marido e 'cérebro' do plano, Dominique Pelicot, de 72 anos, que desde o início do julgamento reconheceu todos os factos e garantiu que a sua fantasia era "subjugar uma mulher insubordinada".
Os factos em julgamento ocorreram entre 2011 e 2020, primeiro na região de Paris e, a partir de 2013, na casa para onde o casal Pelicot se mudou quando ambos se reformaram, situada em Mazan, uma aldeia de 6.000 habitantes perto de Avignon.
As provas de todos os crimes foram encontradas pela polícia em mais de 20.000 vídeos e fotografias presentes no computador de Dominique em 2020, depois de ter sido detido por filmar por baixo das saias de mulheres num supermercado, que levaram os investigadores a contar 72 violadores, sem conseguir identificar todos.
"Eles viam-me como uma boneca de pano, como um saco de lixo", disse Gisèle Pélicot no tribunal, onde afirmou estar a lutar por "todas as pessoas ao redor do mundo, mulheres e homens, que são vítimas de violência sexual".
A pena mais baixa pedida pela acusação, quatro anos, era para outro homem apenas acusado de agressão sexual, sem qualquer acusação de violação, por apenas "tocar" em Gisèle Pelicot.
Os restantes arguidos, com idades compreendidas entre os 27 e os 74 anos, enfrentavam pedidos de condenação que iam de 10 a 20 anos de prisão por violação agravada.
"Haverá um antes e um depois", declarou a procuradora do Tribunal Penal de Avignon, Laure Chabaud, durante as audiências, consciente da importância deste processo.
Em França, o Código Penal define a violação como "qualquer ato de penetração sexual de qualquer tipo ou qualquer ato oral-genital cometido contra outra pessoa" com "violência, obrigação, ameaça ou surpresa".
Durante o julgamento, Laure Chabaud apelou a uma "consciencialização real e profunda da noção de consentimento" para os arguidos e para a sociedade em geral, já que a noção de consentimento não aparece no sistema jurídico francês e, para que a violação seja criminalizada, tem de haver penetração.
Por esta razão, as estratégias de vários advogados de defesas basearam-se na tentativa de elaborar argumentos sobre as práticas sexuais dos arguidos, com Gisèle a ter de negar ter compactuado com o plano do seu ex-marido, fingido dormir ou ter participado voluntariamente.
Dominique Pelicot é também acusado em dois outros casos de violência de género, um pela violação e homicídio de uma mulher em 1991 e outro por uma tentativa de violação em 1999.
Os ativistas contra a violência sexual esperam que os cinco juízes do tribunal considerem sentenças de prisão exemplares, vendo o julgamento como um possível ponto de viragem na luta contra a cultura de violação e a submissão química.
Reações apontam coragem de Gisèle Pelicot e deceção com sentenças
As mensagens a Gisèle Pelicot pela sua coragem multiplicaram-se após o final do julgamento dos seus violadores em Avignon, embora ativistas e organizações feministas considerem que as penas foram baixas.
"As penas são demasiado baixas, quase todas muito abaixo do que foi pedido pelo Ministério Público (que representa o Estado), no entanto, isto já é uma vitória se considerarmos que em França menos de 1% das violações são condenadas", disse Anna Toumazoff, jornalista francesa e apresentadora de rádio francesa, em declarações à Lusa
Para a ativista feminista, o importante é que foram "todos considerados culpados" pelo Tribunal de Avignon, no sul da França, mesmo que seis dos 51 arguidos tenham saído em liberdade, porque as suas penas estão isentas de prisão ou porque já cumpriram parte delas em prisão preventiva.
"Sabíamos (que eram culpados) graças às provas em vídeo, que existiam felizmente, mas os advogados dos arguidos continuavam a tentar atirar as culpas para Gisèle", afirmou Anna Toumazoff, acrescentando que "importante para todas as mulheres deste país e de todo o mundo: culpada não é ela, são eles".
Para a ativista francesa, conhecida nas redes sociais pelo seu discurso feminista, a vergonha está finalmente a mudar de lado, com a principal vítima (e o apoio da família) a decidir tornar o julgamento público, porque "não são as vítimas que devem ter vergonha".
Gisèle Pélicot "deu a França e ao mundo esta mensagem: "Não me cabe a mim ter vergonha. Eu não tenho vergonha". No início do processo, usava óculos escuros. Agora aparece com a cara descoberta. São os arguidos que se escondem atrás de máscaras, óculos e capuzes", acrescentou.
Anna Toumazoff referiu ainda que o movimento 'MeToo', de denúncias de casos de assédio e abuso sexual contra atrizes como Gwyneth Paltrow e Angelina Jolie, ensinou a sociedade que "não existe uma vítima típica" e espera agora que compreendam "que não existe um violador típico".
O principal arguido e ex-marido de Gisèle, Dominique Pelicot, de 72 anos, foi condenado hoje a 20 anos de prisão, pena máxima em França, foi condenado por violar e drogar com ansiolíticos a vítima durante uma década para ser violada por dezenas de desconhecidos recrutados na Internet, com idades compreendidas entre os 27 e os 74 anos.
Apesar do caráter histórico deste julgamento, que atraiu a atenção do mundo inteiro e que fez desta mulher de 72 anos um ícone da luta contra a violência sexual, muitas associações feministas também exprimiram o seu descontentamento em relação às penas, a maioria muito inferior às pedidas pelo Ministério Público.
"Este julgamento também pôs em evidência a necessidade de definir melhor a violação e a agressão sexual, incluindo a noção de consentimento na sua definição penal", declarou Clémence Pajot, diretora-geral da Federação Nacional dos Centros de Informação sobre os Direitos das Mulheres e das Famílias (CIDFF), num comunicado.
A Fundação das Mulheres, que, tal como outras associações francesas, reivindica uma lei global contra a violência sexual e sexista, manifestou "incompreensão" e "deceção" em relação a "certas sentenças proferidas" porque, apesar dos "testemunhos e provas", as sentenças contra os cúmplices de Dominique Pelicot ficaram aquém do que a acusação tinha pedido.
"A luta contra a impunidade está apenas a começar", afirmou a associação num comunicado, no qual também recordou que o tratamento judicial da violência sexual deve mudar.
As penas proferidas pelos juízes variaram entre 3 e 20 anos e, no total, ascenderam a mais de 400 anos de prisão, um número significativamente inferior aos 652 anos que a acusação tinha pedido para os arguidos.
As provas de todos os crimes foram encontradas pela polícia em mais de 20.000 vídeos e fotografias presentes no computador de Dominique em 2020, depois de ter sido detido por filmar por baixo das saias de mulheres num supermercado, que levaram os investigadores a contar 72 violadores, sem conseguir identificar todos.
Várias personalidades francesas e internacionais também já se expressaram sobre o julgamento, como o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, que saudou a "dignidade" de Gisèle Pélicot.
Para a ministra da Educação demissionária francesa, Anne Genetet, este processo recorda a sociedade da "responsabilidade coletiva: fazer do respeito, do consentimento e da igualdade princípios não".
"Gisèle Pelicot travou esta batalha com uma firmeza que merece respeito e admiração. Ela encarna a coragem de todos aqueles que, por vezes na sombra e em silêncio, lutam pelos seus direitos e para que seja feita justiça", acrescentou na rede social X.
O primeiro-secretário do Partido Socialista, Olivier Faure, também se pronunciou defendendo que "o processo de Mazan foi exemplar".
"A recusa de Gisèle Pelicot de o realizar à porta fechada revelou a banalidade da violação. Este julgamento será histórico se a vergonha mudar efetivamente de lado e se a gravidade destes crimes for finalmente percebida na sua verdadeira medida", referiu.