Gaspar alerta para perigo da dívida escondida; só Portugal tem 16 mil milhões de euros
O volume global de dívida pública “é muito alto”, mas é bem provável que seja muito superior ao que se pensa, avisou ontem, quarta-feira, o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Entre vários fatores que ajudam a explicar esta aparente subvalorização da dívida (face ao que ela pode vir a ser realmente) está a chamada “dívida não identificada”, como por exemplo, o valor dos “passivos contingentes”, sinalizou o departamento de assuntos orçamentais do FMI, área que é dirigida pelo economista e ex-ministro português, Vítor Gaspar.
Na apresentação do estudo Monitor Orçamental, em Washington, o ex-governante do tempo da troika não referiu casos concretos, mas o Eurostat mostra que Portugal tinha, em final de 2023, cerca de 16 mil milhões de euros em dívida que ainda não entrou no bolo oficial.
Apesar de estar a descer há alguns anos, Portugal continua a ter dos rácios mais elevados de dívida do mundo desenvolvido, cerca de 95,9% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo a estimativa mais recente das Finanças para 2024.
Ora, aqueles 16 mil milhões de euros em dívida ainda por identificar e incorporar nos indicadores oficiais das contas públicas são, na prática, dívida escondida. Segundo o Eurostat, trata-se de “passivos contingentes e obrigações potenciais dos governos”.
Podem ser garantias bancárias prestadas pelo Estado a entidades públicas e não só (linhas de crédito para empresas), que no caso português, diz o Eurostat, estão avaliadas em mais de 9,9 mil milhões de euros; podem ser encargos ou passivos adicionais com Parcerias Público-Privado (PPP) não plasmados nos planos contratuais (cerca de 4 mil milhões de euros, diz o Eurostat); e créditos improdutivos (NPL), onde se destaca o incumprimento bancário (malparado), que no caso português ascendia a mais de 2,3 mil milhões de euros.
Tudo considerado, é uma dívida que existe, mas “não está identificada”, está fora dos livros oficiais, e equivale a mais de 6% do PIB. Para um país que têm uma dívida ainda perto de 100% que está tão longe da meta de 60%, é um valor perigoso se tiver de ser assumido nos próximos anos.
FMI dramatiza ao máximo
No Monitor Orçamental, Gaspar e o FMI avisam repetidamente que “se a dívida pública é maior do que parece, então também os esforços orçamentais atuais dos países parecem ser mais curtos do que o necessário”.
Segundo os peritos e antigos credores do país, "não há espaço para complacência. Os riscos em torno das projeções da dívida são elevados e altamente inclinados para cima [tenderão a ser revistos em alta]."
Segundo o FMI, "estima-se que a dívida global possa ser quase 20 pontos percentuais do PIB superior, daqui a três anos, ao atualmente projetado, sendo que níveis elevados de dívida amplificam hoje os efeitos negativos de um crescimento mais fraco ou de condições financeiras mais restritivas nos rácios da dívida futura".
A derrapagem na dívida tem várias explicações, enumera a equipa de Vítor Gaspar. "Pode dever-se a mais fraco, condições de financiamento mais restritivas, derrapagens orçamentais e maior incerteza económica e política".
Outra fonte de derrapagem é, como referido, a dívida que ainda não foi assumida nas contas finais oficiais dos países.
Segundo o FMI "uma dívida não identificada de valor considerável é outra razão para a dívida pública acabar por ser significativamente superior ao projetado”.
“Numa análise a mais de 30 países, concluímos que 40% desta dívida não identificada provém de passivos contingentes e de riscos orçamentais que os governos acarretam, a maioria dos quais relacionados com perdas em empresas públicas", diz o Fundo.
Historicamente, continua o FMI, a referida dívida não identificada "tem sido elevada, variando entre 1% e 1,5% do PIB em média, e aumenta acentuadamente durante períodos de stress financeiro".
Segundo o Conselho das Finanças Públicas (CFP), “a despesa de passivos contingentes das Administrações Públicas” “pode decorrer de pedidos de reposição do equilíbrio financeiro por parte de concessionárias de parcerias público-privadas (PPP), conversão de ativos por impostos diferidos [como continua a acontecer no caso do Novo Banco] ou da execução de garantias associadas a linhas de crédito com garantias públicas”.
Além disto, diz o CFP, podem acrescer responsabilidades geradas na Parpública, nomeadamente as que venham a decorrer da Inapa, da privatização da EFACEC, do risco de não conclusão em 2024 do processo de venda, pela Santa Casa Misericórdia de Lisboa, da participação no Hospital da Cruz Vermelha, etc..