“A liberdade só existe quando é inteira”, diz Aguiar-Branco
Gerardo Santos

“A liberdade só existe quando é inteira”, diz Aguiar-Branco

A apresentação do livro 'Liberdade de Imprensa em Portugal e na Europa', uma iniciativa do Diário de Notícias com a Universidade Católica, decorreu esta terça-feira na Assembleia da República, em Lisboa.
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O presidente da Assembleia da República,  José Pedro Aguiar-Branco, afirmou na apresentação do livro Liberdade de Imprensa em Portugal e na Europa na Biblioteca da Assembleia da República, em Lisboa, que a liberdade de imprensa "só existe quando é inteira". 

Durante a sua intervenção, o presidente da Assembleia da República referiu o livro apresentado como um documento importante, “junto a juristas, académicos e jornalistas, para refletir sobre a liberdade de imprensa".

“Em democracia, a liberdade de imprensa é sagrada. Não se limita. Foi uma decisão que tomamos todos em colectivo, enquanto sociedade, há 50 anos. E eu não quero voltar atrás.  Quero que os jornalistas possam criticar esta minha intervenção. Quero que me façam perguntas difíceis. Não quero que se limitem a si mesmos por medo”, acrescentou Aguiar-Branco na sua intervenção, durante a cerimónia. 

No seu discurso, mencionou ainda a auto-censura dos jornalistas. “Não há coisa tão perigosa em democracia como a auto-censura dos jornalistas. Por isso, temos mesmo que proteger a liberdade de imprensa”. 

O livro  Liberdade de Imprensa em Portugal e na Europa pretende discutir a liberdade de imprensa em Portugal e na Europa, apresentando  23 casos portugueses e 7 estrangeiros, submetidos ao Tribunal Europeu dos Direitos do Humanos. Estes são comentados na obra por 63 jornalistas e juristas.  O diretor do Diário de Notícias, Filipe Alves, escreveu o prefácio da obra.

Veja o discurso na integra: 

"Senhora Reitora da Universidade Católica Portuguesa, Prof. Doutora Isabel Capeloa Gil, Senhor Diretor do Diário de Notícias, Dr. Filipe Alves,Senhora Diretora da UCP Editora, Dra. Anabela Antunes,Ilustres Organizadores desta obra, Prof. Doutor Paulo Pinto de Albuquerque, Dra. Valentina Marcelino e Dr. Bruno Contreiras Mateus, Senhor Dr. Marco Galinha,Ilustres Convidados e Convidadas, Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Começo por cumprimentar os autores deste livro e os responsáveis pela sua publicação. Este é um documento importante.

Junta juristas, académicos e jornalistas, para refletir sobre a liberdade de imprensa. Estuda, com rigor e profundidade, vários casos – em Portugal e na Europa – em que esta liberdade esteve sob teste. Demonstra, para lá de qualquer dúvida, que os excessos e os abusos da liberdade de imprensa têm um lugar próprio para serem julgados: são os tribunais.

Devo dizer que procurei, nas páginas desta obra, o conceito de meia-liberdade. De liberdade tutelada. Não o encontrei. Porque a liberdade só existe quando é inteira. E a imprensa só é livre quando tem inteira liberdade para incomodar. 

Não há liberdades mitigadas, nem tuteladas. Há liberdade, ou ausência dela. Faz hoje duas semanas, tivemos, aqui no Parlamento, uma conferência da Entidade Reguladora da Comunicação Social. 

Disse, na altura, que não quero viver num país em que as entidades públicas se pronunciem «sobre as perguntas que um jornalista faz numa entrevista».

Como houve dúvidas, esclareço: estava mesmo a falar de José Rodrigues dos Santos e do caso que recentemente o envolveu. Referia-me a José Rodrigues dos Santos (que, por acaso, tanto quanto sei, até tem carteira de jornalista).

Mas podia estar a falar de qualquer outro jornalista. Da imprensa escrita, da rádio ou da televisão. Porque a liberdade de imprensa é una. É inteira. E as deliberações que hoje afetam um jornalista podem, amanhã, afetar todos os outros.

Desejo ser, quanto a isto absolutamente claro. Até porque, sendo a Entidade Reguladora da Comunicação Social um órgão nomeado pela Assembleia da República, tenho um dever acrescido de falar sobre o tema. Em democracia, há um lugar próprio para o legislador e para o regulador. Contamos com o regulador para evitar monopólios e assegurar o pluralismo mediático.  Para proteger os menores de conteúdos sensíveis.  Para zelar pela liberdade de imprensa e de difusão.

Temos uma Entidade Reguladora da Comunicação Social, para regular a comunicação social. Para regular o mercado da comunicação social. Não para tutelar a liberdade de imprensa. Ou para emitir pareceres sobre as perguntas de um entrevistador. Em democracia, a liberdade de imprensa é solo sagrado. Não se limita.  Foi uma decisão que tomámos, enquanto sociedade, há cinquenta anos. E eu não quero voltar atrás. Quero que os jornalistas possam criticar esta minha intervenção. Quero que me façam perguntas difíceis. Quero que me sujeitem a confronto. 

Não quero que se limitem a si mesmos, por medo dos pareceres de seja quem for.Quando visitamos os arquivos dos jornais, ou os museus da imprensa, e olhamos para exemplares antigos dos jornais portugueses, damos conta das notícias que, noutros tempos, deixaram de ser publicadas, por causa da censura prévia.

Podemos fazer esse estudo. Mas o que não podemos fazer, o que nos está inacessível, é olhar para as notícias que nem sequer chegaram a ser escritas, porque os jornalistas se autocensuraram.

Por medo de ferir suscetibilidades. Por receio de ir contra o politicamente correto. Por impulso de autopreservação. Não há coisa tão perigosa em democracia como a autocensura dos jornalistas.  Por isso, temos mesmo, mesmo de proteger a liberdade de imprensa. Criar um clima de confiança, para que os jornalistas – todos eles – possam fazer o seu trabalho.

Tomo emprestadas as palavras do prefácio deste livro: «para que consiga aproximar-se o mais perto possível da Verdade, o jornalista necessita de ampla liberdade de pensamento e de ação. O jornalismo pode ser bom ou mau, rigoroso ou inexato, sério ou fútil, mas tem obrigatoriamente de ser livre».

Protegemos o direito de informar, porque precisamos do direito a ser informados. Protegemos a liberdade dos jornalistas, em nome da liberdade dos cidadãos.  Não é apesar dos cidadãos. É por causa deles. Não é apesar da democracia. É por causa da democracia.

Termino, por isso, felicitando novamente os autores e os organizadores deste livro. Sei que devia ter feito, nesta sessão de apresentação, um elogio da obra. Mas o maior elogio que posso fazer é partilhar convosco esta reflexão que o livro me causou a mim – e que, espero, possa contagiar outros.

Bem precisamos, como sociedade, de falar mais e melhor sobre a liberdade de imprensa. Estou certo de que este livro nos ajudará a fazê-lo com mais critério". 

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