A polémica surgiu nem 24 horas depois de o Governo ter entrado em plenitude de funções. Na noite de sexta-feira, Joaquim Miranda Sarmento, ministro de Estado e das Finanças, dizia numa entrevista no telejornal da RTP que “os portugueses vão pagar substancialmente menos de IRS” este ano. Admitindo que o Executivo ainda está a “calibrar” a redução do imposto, Miranda Sarmento assumiu, no entanto, que, em vez de ser um alívio de 1,5 mil milhões de euros, será de apenas 173 milhões..Afinal, a descida do valor anunciado pelo Governo de Luís Montenegro já incluía os 1327 milhões de redução em vigor com o Orçamento de António Costa. Ou seja: a redução diz respeito às tabelas de 2023 e não é cumulativa com as de 2024. Algo que o ministro justificou com o facto de o imposto ter um princípio de anuidade. No Parlamento, o primeiro-ministro já tinha dito, no entanto, que a redução era “face ao ano passado”, apesar de não ter elaborado..Algumas horas após a entrevista de Miranda Sarmento, Pedro Nuno Santos reagia no X (antigo Twitter). A medida não é um “choque fiscal” (termo utilizado pelo PSD em relação à necessidade de reformar o sistema de impostos), mas sim um “choque de desfaçatez”, um “embuste”. E acusou o Governo de se tentar “apropriar dos valores de uma redução do IRS feita pelo PS, mais de seis vezes superior à baixa” anunciada pelos sociais-democratas..Mas, segundo Miranda Sarmento, a proposta que tanta celeuma tem causado é da autoria dos sociais-democratas. Recuou também no passado e deu como exemplo, até, o facto de a maioria absoluta socialista da anterior Legislatura ter chumbado várias propostas do PSD nesta área. O ministro diz que o Governo está a “cumprir” algo que prometera “ainda antes de se saber que ia haver eleições”..Não obstante toda a polémica, a proposta de mexida nos impostos - que Miranda Sarmento diz vir beneficiar sobretudo “famílias de classe média, quem ganhe acima de mil, mil e quinhentos, dois mil euros” - terá de ser discutida e votada no Parlamento (já depois de ser aprovada em Conselho de Ministros esta semana). Para já, o desfecho é incerto e a proposta pode nem sequer ser transformada em legislação. Afinal, o Governo não tem maioria absoluta, nem o apoio da oposição para fazer aprovar estas medidas..Oposição critica e chama ministro ao Parlamento.Na manhã de sábado, o Governo tentou acalmar a polémica. Em comunicado, o Executivo referia estar a “cumprir rigorosamente” o seu programa. Recusando a ideia de estar a enganar o país, o Executivo disse, em comunicado, que “nenhum membro do Governo ou dos partidos da coligação que o apoia alguma vez sugeriu, indicou ou admitiu outras reduções de taxas, designadamente que tivessem a mesma dimensão, mas a acrescer ao constante na Lei do OE 2024”..Praticamente uma hora depois, o líder parlamentar social-democrata, Hugo Soares, tentou complementar os esclarecimentos dados pelo Executivo. E foi na mesma linha de discurso: o primeiro-ministro “foi cristalino” nas suas palavras, a proposta “é clara” e consta no Programa do Governo. Para o líder parlamentar do PSD, “alguém se enganou” sobre as medidas e esse “alguém” não foi o Governo. A oposição “tem de se habituar” e é preciso “saber o que se diz, não vale a pena vir a reboque, tentar fazer política de má-fé”. E, no final, uma certeza: “A oposição não tem razão.”.Minutos depois, foi a vez de outra líder parlamentar (a do PS) vir a público deixar críticas ao Governo. Numa declaração feita na sede do partido, em Lisboa, Alexandra Leitão referiu que a proposta do Governo é “um embuste, uma desfaçatez” e uma prova de “falta de credibilidade”. O país foi “todo enganado” porque a “AD andou a propor aquilo que, afinal, estava no programa do PS”. Isto é “muito, muito grave. É mais uma vitimização e má-fé do Governo. Não se podem enganar todos, todos, todos”, disse numa alusão ao que Luís Montenegro afirmara no Parlamento, numa referência ao lema da Jornada Mundial da Juventude..A deputada socialista anunciou ainda que o PS vai chamar o ministro para um debate de urgência no Parlamento, já na quarta-feira..André Ventura, que reagiu depois, foi na mesma linha e anunciou que o Chega vai também chamar Miranda Sarmento à Assembleia, mas, neste caso, à Comissão de Finanças. “Terá de explicar o que ontem [sexta-feira] explicou de forma evasiva”, disse..Já o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, disse que, em vez de ser uma política de “choque fiscal” é, isso sim, “um retoque fiscal”. O “estado de graça” do Governo “acabou ao fim de 48 horas”. “Tivemos o PSD, o Governo, a tentar não ser claro relativamente a esta matéria”, criticou..Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda, também deixou palavras duras. Para a bloquista, “o Governo toma Portugal por parvo”. E apontou também ao primeiro-ministro, que “fabricou um artifício e ficou a assistir enquanto toda a gente se deixava enganar”..O PCP, pela voz do líder Paulo Raimundo, disse que o Programa do Governo é “de fraude” e que é “tal e qual” como tinha previsto: “Grandes parangonas” e “grandes anúncios de redução do IRS mas, depois de tudo espremido, a montanha o que pariu foi a redução do IRC”..Por seu lado, Rui Tavares, do Livre afirmou que “ouviu bem” Luís Montenegro “dizer que as alterações significariam um corte fiscal de 1500 milhões de euros”. Para o porta-voz do partido, o primeiro-ministro “ainda não saiu de campanha” e o Governo faz “promessas vazias”. “Parece-me de péssimo gosto que o Governo venha dizer que toda a gente se enganou, e que só o Governo é que estava certo”, concluiu..O que propõe o Governo para o IRS?.A proposta social-democrata pretende mexer nos escalões do IRS até ao 8.º escalão (há nove, atualmente)..Com uma taxa atualmente em vigor de 13,25%, o 1.º escalão passaria a 13% com o PSD. O segundo ia dos atuais 18% para 19%..O terceiro transitaria dos atuais 23% para 23,5%. Já o 4. escalão voltava a ter uma redução: de 26%, passaria para 25,5%..Depois, o 5.º passaria de 32,75% para 32%..O sexto é aquele que beneficiaria mais da proposta do Governo, passando dos 37% para os 34%..Depois, o 7.º escalão passaria dos atuais 43,5% para 43% e o oitavo (e penúltimo) passaria a ter uma tributação de 44,75% ao invés dos atuais 45%..O 9.º escalão manter-se-ia nos 48%.