A Comissão de Seca, presidida pelo ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, chegou a Faro decidida a impor um corte de 70 por cento na água disponível para a agricultura. Mas chovia copiosamente desde a véspera, coisa que não se via no Algarve desde o início de dezembro - 30 litros diários por metro quadrado, bênção para uma região à sede. O racionamento de água para uso agrícola ficou-se, afinal, pelos 25 por cento. A meteorologia prevê que a chuva vá continuar a cair esta sexta-feira. Amanhã, o sol voltará a brilhar..O corte na água para rega anunciado pelo ministro do Ambiente teria merecido o apoio de Macário Correia, agricultor e presidente da Associação de Regantes do Sotavento Algarvio, se fosse mesmo de 25 por cento. “O número é enganador. É pura estatística. Juntaram o volume de água de todos os aquíferos do Algarve à água ainda disponível nas barragens. Pela diferença entre o total e o volume dos cortes chegaram aos 25 por cento”, disse Macário Correia, ontem, ao DN..O racionamento da água para agricultura ultrapassa em algumas zonas o valor anunciado pelo ministro do Ambiente. Na prática, segundo Macário Correia, o “corte é de 50 ou 60 por cento” no perímetro de rega do Sotavento. No Barlavento, de acordo com João Garcia, produtor de citrinos e presidente da associação dos beneficiários das barragens de Odelouca e do Funcho, o corte imposto é de “40 por cento”. Os pomares estão ameaçados. O volume de água disponível no perímetro de rega do Barlavento, servido pela bacia do Arade e que se estende pelos concelhos de Silves, Lagoa e Portimão, mal vai chegar para manter as árvores com vida: “Estamos a falar de uma rega de sobrevivência. Vamos tentar fazer com que os pomares não sequem. Não vai haver produção”, diz ao DN João Garcia..A área de regadio do Arade tem 2.600 hectares: mil estão ocupados com citrinos - e os outros 1. 600 com culturas anuais de hortícolas que sem água não podem sequer ser iniciadas. No ano passado, o regadio consumiu oito hectómetros cúbicos de água - o equivalente a oito milhões de litros. Os agricultores precisavam de mais água, mas o Governo impôs-lhes cortes. “O ideal, para assegurar o máximo de produção, seria beneficiarmos de 12 milhões de hectómetros”, diz João Garcia. .Só o milhar de hectares de pomares produz, em média, quase 150 mil toneladas de laranjas, metade da produção de toda a região do Algarve. Gastou, no ano passado, 4,2 milhões de litros - um milhão aquém das necessidades. As colheitas ressentiram-se. Agora, com o corte de 40 por cento relativamente à campanha anterior, será a ruína dos pomares e das hortas. João Garcia faz contas: “Calculo que o prejuízo possa rondar os 12 milhões de euros”. Resta-lhe a esperança de que os agricultores do regadio do Arade consigam sobreviver este ano - a “ver se no próximo ano conseguimos ter mais água”. Mas o futuro não é nada promissor….O Algarve não vive uma situação de seca. É muito pior do que isso. O professor Nuno Loureiro, investigador da Universidade do Algarve, de tanto olhar para os registos da pluviosidade, já conhece de cor a quantidade de chuva caída na região nos últimos 20 anos: “A seca é um episódio conjuntural, com um princípio e um fim que se pode facilmente delimitar no tempo, em que há um decréscimo de precipitação a que se segue uma subida da precipitação. O que nós temos é uma curva que está a decrescer e nunca mais reverte”. A curva, sempre a descer, indica o caminho do deserto. “Observamos quebras na pluviosidade e nas reservas de água há já duas décadas e, mais do que episódios pontuais de seca, o Algarve encadeia anos de fracas pluviosidades e já está em desertificação”, conclui Nuno Loureiro. .O racionamento de água imposto pelo Governo ao Algarve - o corte no volume de água para rega e o corte de 15 por cento no abastecimento publico - “não passa de uma panaceia”, diz Nuno Loureiro. É preciso investir. O plano de investimentos para que a água não falte nas torneiras prevê a melhoria da rede de abastecimento urbano - para evitar a perda de 30 milhões de litros ano -, a modernização da rega agrícola, a utilização de tecnologia para fiscalizar os furos, a reutilização de água residual tratada, a construção de uma central dessalinizadora e a captação de água no Guadiana, na zona do Pomarão, e canalizá-la para a barragem de Odeleite através de 75 quilómetros de canais a céu aberto. .Tudo isto, segundo Nuno Loureiro, já devia estar concluído há pelo menos 10 anos. A central de dessalinização, que será construída em Albufeira, ainda não saiu do papel. O transvase entre o Pomarão e Odeleite também continua, como manda a lei, em discussão pública. Macário Correia junta ao plano a construção de mais duas barragens - a da Foupana e a de Alportel, ambas no Sotavento..Agricultores e associações de regantes do Algarve reuniram-se após o anúncio de cortes do fornecimento de água e constituíram um grupo de pressão e de estudo - a Comissão para a Sustentabilidade Hidroagrícola do Algarve (CSHA), que reúne os interesses de todas as atividades agrícolas do Algarve, desde a produção de fruta, vinho, aromáticas, animal. Não pedem ao Governo o milagre de um inverno chuvoso. Querem ser parte da solução.