Agricultores algarvios fazem contas aos prejuízos
Carlos Vidigal Jr./Global Imagens

Agricultores algarvios fazem contas aos prejuízos

O corte de água imposto pelo Governo à agricultura vai provocar um rombo de 12 milhões de euros só na zona de Silves. Racionamento “não passa de uma panaceia”, diz investigador.
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A Comissão de Seca, presidida pelo ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, chegou a Faro decidida a impor um corte de 70 por cento na água disponível para a agricultura. Mas chovia copiosamente desde a véspera, coisa que não se via no Algarve desde o início de dezembro - 30 litros diários por metro quadrado, bênção para uma região à sede. O racionamento de água para uso agrícola ficou-se, afinal, pelos 25 por cento. A meteorologia prevê que a chuva vá continuar a cair esta sexta-feira. Amanhã, o sol voltará a brilhar.

O corte na água para rega anunciado pelo ministro do Ambiente teria merecido o apoio de Macário Correia, agricultor e presidente da Associação de Regantes do Sotavento Algarvio, se fosse mesmo de 25 por cento. “O número é enganador. É pura estatística. Juntaram o volume de água de todos os aquíferos do Algarve à água ainda disponível nas barragens. Pela diferença entre o total e o volume dos cortes chegaram aos 25 por cento”, disse Macário Correia, ontem, ao DN.

O racionamento da água para agricultura ultrapassa em algumas zonas o valor anunciado pelo ministro do Ambiente. Na prática, segundo Macário Correia, o “corte é de 50 ou 60 por cento” no perímetro de rega do Sotavento. No Barlavento, de acordo com João Garcia, produtor de citrinos e presidente da associação dos beneficiários das barragens de Odelouca e do Funcho, o corte imposto é de “40 por cento”.
Os pomares estão ameaçados. O volume de água disponível no perímetro de rega do Barlavento, servido pela bacia do Arade e que se estende pelos concelhos de Silves, Lagoa e Portimão, mal vai chegar para manter as árvores com vida: “Estamos a falar de uma rega de sobrevivência. Vamos tentar fazer com que os pomares não sequem. Não vai haver produção”, diz ao DN João Garcia.

A área de regadio do Arade tem 2.600 hectares: mil estão ocupados com citrinos - e os outros 1. 600 com culturas anuais de hortícolas que sem água não podem sequer ser iniciadas. No ano passado, o regadio consumiu oito hectómetros cúbicos de água - o equivalente a oito milhões de litros. Os agricultores precisavam de mais água, mas o Governo impôs-lhes cortes. “O ideal, para assegurar o máximo de produção, seria beneficiarmos de 12 milhões de hectómetros”, diz João Garcia. 

Só o milhar de hectares de pomares produz, em média, quase 150 mil toneladas de laranjas, metade da produção de toda a região do Algarve. Gastou, no ano passado, 4,2 milhões de litros - um milhão aquém das necessidades. As colheitas ressentiram-se. Agora, com o corte de 40 por cento relativamente à campanha anterior, será a ruína dos pomares e das hortas. João Garcia faz contas: “Calculo que o prejuízo possa rondar os 12 milhões de euros”. Resta-lhe a esperança de que os agricultores do regadio do Arade consigam sobreviver este ano - a “ver se no próximo ano conseguimos ter mais água”. Mas o futuro não é nada promissor…

O Algarve não vive uma situação de seca. É muito pior do que isso. O professor Nuno Loureiro, investigador da Universidade do Algarve, de tanto olhar para os registos da pluviosidade, já conhece de cor a quantidade de chuva caída na região nos últimos 20 anos: “A seca é um episódio conjuntural, com um princípio e um fim que se pode facilmente delimitar no tempo, em que há um decréscimo de precipitação a que se segue uma subida da precipitação. O que nós temos é uma curva que está a decrescer e nunca mais reverte”. A curva, sempre a descer, indica o caminho do deserto. “Observamos quebras na pluviosidade e nas reservas de água há já duas décadas e, mais do que episódios pontuais de seca, o Algarve encadeia anos de fracas pluviosidades e já está em desertificação”, conclui Nuno Loureiro. 

O racionamento de água imposto pelo Governo ao Algarve - o corte no volume de água para rega e o corte de 15 por cento no abastecimento publico - “não passa de uma panaceia”, diz Nuno Loureiro. É preciso investir. O plano de investimentos para que a água não falte nas torneiras prevê a melhoria da rede de abastecimento urbano - para evitar a perda de 30 milhões de litros ano -, a modernização da rega agrícola, a utilização de tecnologia para fiscalizar os furos, a reutilização de água residual tratada, a construção de uma central dessalinizadora e a captação de água no Guadiana, na zona do Pomarão, e canalizá-la para a barragem de Odeleite através de 75 quilómetros de canais a céu aberto. 

Tudo isto, segundo Nuno Loureiro, já devia estar concluído há pelo menos 10 anos. A central de dessalinização, que será construída em Albufeira, ainda não saiu do papel. O transvase entre o Pomarão e Odeleite também continua, como manda a lei, em discussão pública. Macário Correia junta ao plano a construção de mais duas barragens - a da Foupana e a de Alportel, ambas no Sotavento.

Agricultores e associações de regantes do Algarve reuniram-se após o anúncio de cortes do fornecimento de água e constituíram um grupo de pressão e de estudo - a Comissão para a Sustentabilidade Hidroagrícola do Algarve (CSHA), que reúne os interesses de todas as atividades agrícolas do Algarve, desde a produção de fruta, vinho, aromáticas, animal. Não pedem ao Governo o milagre de um inverno chuvoso. Querem ser parte da solução.

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