Senhor Putin: isto resolve-se depressa, basta aplicar a lei internacional

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Uma sondagem de 23 de fevereiro revelou que apenas 33% dos eleitores alemães apoiavam a coligação governamental dirigida pelo social-democrata Olaf Scholz. O seu partido, o SPD, teria 15% das intenções de voto, os Verdes 14% e o terceiro partido da coligação, os liberais do FDP, podiam contar com 4%. Para uma aliança governativa tão ampla, é um nível de apoio bem modesto.

As divergências no interior do governo, sobretudo entre o SPD e os Verdes, ajudam à fragilização do poder. Do lado da oposição, o partido de centro-direita CDU/CSU recolhia uns razoáveis 30%, enquanto os neonazis e ultranacionalistas da AfD viam a sua popularidade baixar um pouco, para 19%. É, no entanto, um partido populista com o vento pela popa. Os seus amigos baseados no Kremlin tudo farão para o promover até às eleições europeias de junho.

Esta embrulhada política complica a liderança de Scholz. Apesar de tudo, a Alemanha é, a seguir aos EUA, o segundo maior contribuidor em termos de auxílio à Ucrânia: desde a invasão russa de 2022, o apoio financeiro, humanitário e militar bilateral alemão totaliza à volta de 24 mil milhões de euros, sem contar com o que tem sido canalizado através das instituições europeias. É muito superior ao esforço francês, que não chegou ainda aos dois mil milhões de euros.

O Bundestag, o parlamento federal, acaba de aprovar uma moção que reconhece a gravidade da ameaça russa, quer para a Ucrânia quer para a Europa democrática. Requer, por isso, que o governo federal aumente o orçamento de defesa e a sua ajuda a Kyiv. Por isso, o governo decidiu esta semana reforçar o fornecimento de equipamento militar à Ucrânia, incluindo obuses, sistemas de deteção de minas, drones e material eletrónico. É um pacote importante, mas bastante reduzido, revelador da escassez de material disponível nos paióis do país. Embora a Alemanha seja a nação mais rica da UE, a realidade é que não tem uma economia de defesa comparável à da Rússia, que este ano gastará pelo menos 6% do seu PIB no reforço da sua máquina bélica.

Nas circunstâncias atuais, a Alemanha e a UE como um todo têm de passar a encarar a questão da defesa como uma prioridade. Para começar, devem explicar com clareza aos cidadãos quais são os riscos existentes. A segurança interna e a defesa do espaço democrático europeu têm de estar no topo do diálogo político em cada país da UE. Infelizmente, tal não acontece, na maior parte dos Estados.

Entretanto, é fundamental contribuir sem demoras para um fundo comum europeu, como foi proposto no início da semana em Paris, que financie a compra de material de guerra a quem o produz, por esse mundo fora. Não deveríamos ter chegado a esta situação de dependência, mas a realidade de agora não permite mais hesitações. A Ucrânia e a Europa precisam urgentemente de se defender.

É igualmente fundamental convencer Scholz que o pacote que agora aprovou deve incluir umas centenas de mísseis de longo alcance, os famosos Taurus. Essa decisão fará a diferença.

Contrariamente aos receios de Scholz, não será esse tipo de ajuda que levará Putin a expandir a guerra e a retaliar. E estará em linha com equipamentos semelhantes já fornecidos pelo Reino Unido e os EUA. Putin sabe quais são as limitações que deve ter em conta. Nos últimos dois anos, as suas forças armadas não foram capazes de ir além da destruição de centros urbanos, à custa de dezenas de milhares de vidas militares russas, e apenas acrescentaram umas dúzias de quilómetros quadrados aos territórios já antes conquistados. Scholz pode ficar descansado. O fundamental é que não se use certas expressões contra as forças russas, como as palavras “vitória” ou “humilhação”, por exemplo. Não se trata de derrotar a Rússia em solo russo. O objetivo é levar o invasor a retirar-se das regiões ocupadas, que soberanamente pertencem à Ucrânia.

Também se trata de fazer compreender às autoridades russas algumas verdades elementares. Primeiro, que a UE deseja restabelecer uma relação pacífica com a Rússia. Segundo, que os custos da reconstrução da Ucrânia, das suas infraestruturas e a compensação moral das suas populações faz parte do processo de paz e deve ser assumido pelo Estado agressor. Não é a UE, o Banco Mundial ou uma qualquer outra instituição internacional quem deve pagar as faturas. Terceiro, que cabe a cada país, decidir livremente sobre as suas alianças, com o objetivo último de assegurar a paz e a tranquilidade das suas populações, num contexto democrático, que promova o bem comum, a ética social e preserve o meio ambiente. Quarto, que as violações da lei internacional e das regras da guerra têm de ser punidas. Quinto, que a Europa ocidental reconhece as extraordinárias contribuições que os povos da Federação Russa acrescentaram à história, à cultura e à civilização do nosso continente.

O que não queremos é conflitos com vizinhos que pensem que nos podem impor regimes ditatoriais e corruptos. Foram esses o aviso e o receio que ouvi nas palavras que Macron nos deixou no início da semana. Não se anda à procura de uma confrontação armada com a Rússia, não se pretende transformar esta década numa cópia ainda mais trágica dos anos trinta e quarenta do século passado. Os líderes russos precisam de mostrar que são políticos fiáveis e de palavra. Infelizmente, nada disso está garantido neste momento. Putin e os seus continuam a apostar na intrujice. Ora, a paz passa pelo restabelecimento da confiança entre os vizinhos.

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