O Grande Irmão

Estudo conclui que por ano cada indivíduo valoriza em dezenas de milhares de euros os serviços prestados pelo Google, a uma média de 17.500 dólares pelo uso do motor de busca durante um ano e 3.600 dólares pelo uso dos mapas

Imagine o leitor que não existiam motores de busca e que, para encontrar informação na Internet, teria de se saber antecipadamente qual o endereço (URL: Uniform Resource Locator) onde a mesma estava disponível, para poder apontar o navegador diretamente para lá. É difícil pensar num mundo assim, mas esse mundo já existiu, há não muito tempo.

Quando o motor de busca da Google apareceu, em 1998, já existiam outros motores de busca, mas rapidamente a superior qualidade dos resultados devolvidos pelo motor da Google tornaram-no na referência mundial e uma ferramenta indispensável a qualquer internauta. Hoje, uma simples pesquisa no Google permite-nos identificar onde está disponível informação sobre qualquer tópico de interesse, por mais obscuro que este seja. Por si só, este serviço disponibilizado pelo Google mudou profundamente a forma como encaramos a informação, a forma como acedemos à mesma, a forma como vivemos.

Mas o Google tornou-se muito mais que um motor de busca, muito mais que o motor de busca de referência. Ao disponibilizar, sucessivamente, aplicações para localização geográfica (Google Maps), para gestão do correio eletrónico (Gmail), para edição online de documentos (Google Docs), para partilha de vídeos (YouTube) e fotos (Google Photos), para a divulgação de notícias, para a gestão das agendas e contactos assim como software para telemóveis (Android), entre tantos outros serviços, a Google tornou-se, simplesmente, na empresa mundial que mais informação tem sobre cada um de nós e sobre o mundo em que vivemos.

Poucos utilizadores da Internet são estranhos para a Google. Para a maioria de nós, utilizadores comuns, os servidores da Google leem os e-mails que trocamos e sabem com quem falamos, onde estivemos, com quem estivemos e que fotos tirámos. Este enorme manancial de informação, que ultrapassa vastamente aquilo que George Orwell antecipou no seu livro 1984, permitiu à Google tornar-se no maior fornecedor de informação personalizada do mundo, e transformar-se numa das maiores empresas de sempre. Poucos domínios estão fora do alcance do longo braço desta empresa.

Desde a inteligência artificial aos carros autónomos, passando pela tradução automática, pelos telemóveis e pelos sistemas operativos, a Google tem desenvolvido tecnologias de ponta que se tornaram dominantes, no processo disponibilizando serviços de enorme utilidade para toda a população mundial.

Um recente estudo concluiu que cada indivíduo valoriza em dezenas de milhares de euros, por ano, os serviços prestados pelo Google (mais exatamente, uma média de 17.500 dólares pelo uso do motor de busca durante um ano e 3.600 dólares pelo uso dos mapas). Estes números parecem elevados, mas são indicativos do valor subjetivo atribuído por cada um de nós a estes serviços que, porém, nos são oferecidos gratuitamente pelo Google (e por outras empresas, dependendo do caso).

Porém, a pergunta interessante é a seguinte: estão estes serviços realmente a ser oferecidos, sem custos, ou estamos a pagá-los com os dados que fornecemos, ao usá-los? O crescimento sistemático dos resultados líquidos da Google, que teve 109 mil milhões de dólares de receita em 2017 (um pouco mais de metade do PIB Português) parece indicar que os dados coligidos pela Google são, de facto, muito valiosos, embora o valor por utilizador ande muito longe dos milhares de dólares referidos acima.

Dada a abrangência da sua atividade atual, e a limitada capacidade de crescimento dos segmentos onde já é dominante, até onde poderá chegar a Google? De que forma poderá crescer uma empresa que já tem como utilizadores perto de metade da população mundial? Provavelmente muito mais.

Até onde poderá chegar uma empresa que, em breve, saberá mais sobre cada um de nós do que o nosso amigo ou familiar mais chegado?

À medida que os seus servidores acumulam informação sobre o comportamento de cada um de nós, dos sítios que visitamos, do que vimos e do que fazemos, com quem falamos e o que dizemos, a Google conseguirá construir um modelo cada vez mais perfeito do mundo, em geral, e de cada um de nós, em particular. Para além das aplicações em publicidade dirigida, que hoje representam mais de dois terços da receita total, estes modelos poderão ser usados para prever, com grande previsão, tendências e necessidades futuras para cada indivíduo, assim como responder a perguntas cada vez mais complexas.

Em alguns aspetos, os modelos computacionais da Google serão tão precisos que poderão ser usados para substituir o mundo real. Se substituir eleições pelos resultados previstos por um modelo global parece violar o direito à escolha individual subjacente ao ideal democrático, outras aplicações serão talvez menos invasivas e mais aceitáveis. Com o desenvolvimento dos sistemas de realidade virtual, será possível fazer visitas virtuais cada vez mais realistas usando software da Google, algo que já acontece parcialmente com o Google Maps. Modelos de cada ser humano do planeta terão um enorme valor para todo o tipo de empresas, nas áreas da saúde, segurança, comércio e serviços. Milhares de outras áreas de aplicação aparecerão com o desenvolvimento de novas tecnologias e o acumular dos dados.

Até onde poderá chegar uma empresa que, em breve, saberá mais sobre cada um de nós do que o nosso amigo ou familiar mais chegado? Até onde poderá chegar uma empresa que terá, nos seus servidores, informação detalhada sobre cada lugar do planeta e a melhor forma de lá chegar? Até onde poderá chegar uma empresa a quem confiamos as centenas de correios eletrónicos que trocamos por dia, as conversas que temos nos telemóveis e as mensagens que trocamos?

O futuro o dirá!

Dean do Instituto Superior Técnico

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