Há uma anedota em Espanha sobre um toureiro que se converteu em governador civil e que, questionado sobre como tinha feito essa mudança de carreira, respondeu: "Degenerando." A secretária de Estado da Espanha Global, Irene Lozano, conta essa história com um sorriso para lembrar que não foi esse o seu caso. Apesar de ter começado como jornalista e escritora e de agora estar na política, para si a diferença não é assim tão grande. O objetivo é influenciar a opinião das pessoas. E, no caso do seu atual cargo, a opinião que é preciso mudar é a de todo o mundo. "É um trabalho que toda a gente quereria: defender o seu país pelo mundo. Para qualquer cidadão é uma honra.".Combater a retórica do discurso independentista catalão no exterior foi uma das tarefas que o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, lhe encomendou quando a convidou para ocupar o novo cargo, criado em outubro de 2018 para substituir a Marca Espanha. Esse projeto de marca estava mais virado para a economia e as trocas comerciais, na promoção das empresas espanholas no estrangeiro e em atrair investimento, enquanto o desafio da Espanha Global vai mais longe.."A ideia é fortalecer a reputação do país no mundo, fortalecer a maneira como nos apresentamos. Espanha é um país que, pelas convicções da nossa sociedade, tem muito para dizer em muitas conversas interessantes, desde as alterações climáticas às migrações e à convivência multicultural", explica Irene durante uma passagem por Lisboa. "O objetivo é aumentar o soft power, apresentar Espanha no mundo como um ator influente e que quer influenciar em todas as boas causas.".A Catalunha é um problema. "Temos problemas políticos como tem o mundo todo. Em Espanha temos o problema da Catalunha, o Reino Unido tem o Brexit, a França, os coletes amarelos... a crise económica e financeira deixou uma situação de desigualdade social que está a alimentar movimentos extremistas, populistas, mas isso acontece em toda a Europa. Não nos apresentamos ao mundo a dizer que somos melhores do que os outros, que somos mais perfeitos. Somos iguais", indica. "Não achamos que fazemos tudo muito bem e não temos problemas e que por isso vamos explicar aos outros o que têm de fazer para também não terem problemas. Não é assim.".Das letras à política.Irene Lozano nasceu em Madrid em 1971 e licenciou-se em Linguística Hispânica e em Filosofia, tendo fundado a escola The Thinking Campus. Como jornalista escreveu no El Mundo ou no ABC, além de colaborar com várias revistas espanholas e meios internacionais. Já como escritora editou quer ensaios quer romances, tendo recebido o Prémio Espasa de Ensayo pelo seu livro Lengas en Guerra (2005)..A política estava-lhe no sangue, mas só se tornou opção mais tarde. "O meu avô foi preso político, o meu bisavô fez parte do Partido Socialista", conta Lozano, explicando que em jovem essa vocação não foi a sua. "A verdade é que o meu interesse pelo jornalismo estava muito vinculado à política, no sentido em que gostava, com os meus artigos, de influenciar as pessoas." No final, "na política também tens de convencer as pessoas das tuas ideias e que te apoiem nos teus projetos"..As memórias de Sánchez.Irene Lozano e Pedro Sánchez conheceram-se nos corredores do Congresso dos Deputados, onde ela se estreou em 2011 pela mão da União Progresso e Democracia - partido que mais tarde tentaria liderar, sem êxito, acabando por se desvincular e ser candidata nas eleições de 2015 pelas listas socialistas..Para trás tinham ficado as críticas ao PSOE e ao bipartidarismo. "Fui-me embora de um não partido para um partido. Porque a UpyD desapareceu dois meses depois e era evidente que estava a desaparecer. Eu estava a ver a mudança a chegar, com muita gente a votar nos novos partidos, e quando o PSOE fez a sua própria mudança, quando elegeu Sánchez como secretário-geral, também ganhou consciência dos problemas que tinha de enfrentar", explica..Sánchez tinha gostado da forma como Irene fazia o trabalho de deputada e convidou-a a integrar as listas, mas quando foi necessário repetir eleições, em 2016, ela decidiu afastar-se. "Já não quis ir, porque tinha sido tudo muito complicado." E no final, o próprio Sánchez acaba por ser também afastado, quando recusa abster-se para investir o governo de Mariano Rajoy..É depois dessa saída que ambos estreitam a relação e começa a surgir a ideia de escrever um livro. "Foram uns anos muito intensos da política espanhola. Ele tinha sido secretário-geral e esteve no centro de tudo e, ao falar, apercebemo-nos de que seria interessante contar isso num livro", diz Irene. Mas depois ele apresenta-se novamente às primárias, ganha "e o livro que ainda não existia converte-se em algo ainda mais interessante". Continuam a trabalhar e Sánchez acaba por ser primeiro-ministro. "O paradoxo é que a ideia do livro vai mudando à medida que mudam as circunstâncias e que muda também a política espanhola." Manual de Resistência foi apresentado a 19 de fevereiro de 2019, com Sánchez a agradecer a Irene no prólogo pela sua "ajuda decisiva".