1. Felipe Oliveira Baptista No topo da capital da moda Em 2010, quando a muito francesa marca Lacoste anunciou Felipe Oliveira Baptista como seu novo diretor criativo, foi um frisson no muito exclusivo mundo da moda parisiense. Não só o designer português (nasceu nos Açores, em 1975) era o primeiro estrangeiro no cargo, como se propunha dar um cunho de moda de autor a uma griffe essencialmente desportiva. Jovem, não era no entanto um desconhecido. Formado em Design de Moda pela Universidade de Kingston (Inglaterra), mudou-se para Paris e trabalhou com grandes marcas como a Cerrutti ou a Max Mara, ousando, em 2003, criar a sua própria marca. Com ela conseguiu apresentar-se nas semanas da Moda de Paris e conquistar importantes prémios para jovens talentos. A Lacoste sabia ao que ia e ganhou a aposta. Felipe, a quem a revista Madame Figaro chamou "um português formado em Inglaterra mas francófilo assumido", modernizou a Lacoste, tornando-a mais sofisticada. Não admira por isso que o gigante do luxo parisiense LVMH o tenha ido buscar para a Kenzo, quando a marca de moda e acessórios de origem japonesa se preparava já para comemorar o cinquentenário. Ao apresentar a sua primeira coleção com esta griffe na última semana da Moda de Paris (em fevereiro passado), Felipe Oliveira Baptista parece ter estado à altura das expectativas, obtendo um assinalável sucesso de público e crítica. O objetivo principal, como disse nas várias entrevistas em que se multiplicou, foi juntar o respeito pela tradição asiática do fundador da marca Kenzo Takada com a sofisticação francesa e a forte presença de Portugal em Paris. Para o efeito, como sublinhou, inspirou vários estampados da coleção na série Tigres pintada por Júlio Pomar, que, em 1963, se radicou na capital francesa para não mais a abandonar completamente..2. Pauleta O ciclone dos Açores Para os portugueses, Pedro Pauleta é um dos mais certeiros avançados da seleção portuguesa (superou o recorde então detido por Eusébio, ao marcar o seu 42.º golo a 12 de outubro de 2005, num jogo contra a Letónia), mas para os adeptos do Paris Germain é a própria definição do craque: uma autêntica lenda. Em 2016, a revista France Football lançou um inquérito online, perguntando quem fora o melhor avançado da história do clube. O resultado não ofereceu dúvidas: Pedro Pauleta foi o vencedor, obtendo 36% dos 10 771 votos, superando o sueco Zlatan Ibrahimovic (30%), apesar de, na época, este já ter ultrapassado o número de golos do português. Tamanha devoção ficaria ainda inscrita em pedra, em pleno Parque dos Príncipes, com um mural do artista gráfico Ertim a retratar o antigo internacional português. Nascido em Ponta Delgada, a 28 de abril de 1973, Pedro Miguel Carreiro Resendes (conhecido por Pauleta, como todo o lado paterno da sua família) tornou-se o primeiro jogador da seleção nacional que nunca defendeu as cores de qualquer clube da 1.ª Divisão portuguesa. Chamaram-lhe o ciclone dos Açores ou, pura e simplesmente, açor porque, ao festejar os (muitos) golos, Pedro imitava o voo da ave marítima que dá nome às ilhas de onde veio. Em agosto de 2015, oito anos depois de terminar a carreira, Pedro Pauleta mantinha a aura intacta. Numa votação promovida pelo canal Eurosport, foi eleito o terceiro melhor jogador do campeonato francês do século XXI..3. As concierges Do estereótipo ao reconhecimento Correspondem ao estereótipo (nem sempre lisonjeiro) da nossa emigração em França. As concierges (do termo francês conciergerie, i.e., portaria) portuguesas estão um pouco por todos os arrondissements e zelam pelo bem-estar dos moradores de muitos prédios, no que foi uma solução de emprego e habitação para muitas mulheres sem qualificações académicas que começaram a abandonar Portugal a partir da década de 1960. Na noite trágica de 13 de novembro de 2015, muitos parisienses passaram a olhar de outra maneira para algumas delas. Foi o caso de Margarida de Santos Sousa, natural de Ermesinde, que, vivendo e trabalhando ao lado da sala de espetáculos atacada pelos terroristas, o Bataclan, ajudou 40 sobreviventes (entre os quais sete feridos). Margarida não foi caso único entre os porteiros portugueses nas imediações do Bataclan. Atos idênticos, quando a polícia recomendava aos parisienses que se fechassem em casa, foram praticados por Manuela e José Gonçalves e Natália Teixeira Syed (lusodescendente). Todos juntos, diz-se, terão salvo mais de 200 pessoas. Em janeiro de 2016, a presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, atribuir-lhes-ia a medalha de ouro da cidade, considerando-os "anjos-da-guarda". Meses depois, num 10 de junho celebrado em Paris, seria a vez de Marcelo Rebelo de Sousa os distinguir com a Ordem da Liberdade..4. Victor Silveira Natas, Comme à Lisbonne Aos pastéis de nata do açoriano Victor Silveira e do seu sócio Christophe Boitiaux chamam os parisienses "Le petit péché mignon des lisboètes." No coração do Marais trendy (Rue du Roi de Sicile, 37, não muito longe do Hôtel de Ville, onde está a Câmara de Paris) mora, desde 2011, a pastelaria Comme à Lisbonne, onde se proporciona a quem entra a sensação de tomar o pequeno-almoço à beira-Tejo. Para isso, lá estão, num espaço exíguo mas cosy, os pastéis de nata, feitos de acordo com a receita secreta herdada da mãe de Victor, e o cafezinho Delta Diamante (ou, pela manhã, um galão). O sucesso foi imediato: em média, são vendidos aqui nunca menos de 500 pastéis por dia, número que é facilmente duplicado ao fim de semana, quando os clientes chegam a fazer fila à porta da loja. Para lá do dito péché mignon, mesmo ao lado, na mercearia Tasca (aberta pelos mesmos sócios em 2013) estão os Chocolates Arcádia, as melhores conservas de atum, sardinhas, cavala, polvo, lulas, enguias ou o café português em lote..5. Elisabeth Monteiro Rodrigues A paixão pela lusofonia Nasceu-lhe a paixão pela lusofonia ao trabalhar na única livraria portuguesa e brasileira de Paris, a do editor e livreiro Michel Chandeigne (Rue des Fossés Saint-Jacques, a 20 metros do Panteão), grande divulgador da literatura portuguesa em terras francesas. Nascida em Portugal em 1973, mas levada para Paris aos 4 anos, estudou História do Médio Oriente na universidade e tomou o gosto pelas literaturas de África, das Antilhas ou das Caraíbas. Livreira até 2015, justamente na loja de Michel Chandeigne, descobriu as literaturas africanas lusófonas e (re)descobriu muito do que mais recente se publicava também em Portugal. O gosto foi tanto que Elisabeth, sendo bilingue, decidiu tornar-se tradutora. Mas não foi atrás de facilidades. Durante dez anos dedicou-se à tradução para francês da obra de Mia Couto. Mais tarde, começou a trabalhar também nas obras de Teolinda Gersão, João Ricardo Pedro, Valério Romão ou do angolano Manuel Rui. O reconhecimento não tardaria a chegar. Em 2018, a associação francesa Atlas, dedicada à promoção da qualidade na tradução literária, distinguiu-a pelo trabalho no livro de contos Da Família, do português Valério Romão..6. Diogo de Oliveira O sonho do ballet da ópera Um "fantasma" apaixonado tornou a Ópera de Paris um lugar mítico, mas a sua reputação artística está à altura da lenda. Neste lugar bem assombrado por Nureyev, Margot Fonteyn ou Maya Plisetskaia, Diogo de Oliveira tornou-se aos 20 anos o primeiro bailarino do elenco, contrariando, uma vez mais, o estereótipo tradicional, cada vez mais em desuso, do emigrante português em Paris. Diz não ter querido ser bailarino desde sempre e começou a dançar relativamente tarde (aos 11 anos) na escola portuense Domus Dance, dos seus tios. Mas a qualidade rapidamente demonstrada tornou a sua adolescência uma azáfama de bolsas e prémios: o Prix de Lausanne, na Suíça, e o Youth America Grand Prix (YAGP), em que foi considerado um dos melhores jovens bailarinos do mundo, e até uma bolsa para a Academia do Ballet Bolshoi. Em 2015, na sequência da vitória no YAGP, Diogo foi convidado pessoalmente pela diretora da Escola da Ópera de Paris a ingressar na mesma. Com apenas 18 anos, Diogo foi viver para Paris e voltou por decisão própria a Portugal. Mas em 2018, já como profissional e não como estudante, regressou a Paris, integrando o elenco. O seu lema continua a ser o dos seus tempos de escola: "Pés no chão e olhos nas estrelas.".7. Ruben Alves A homenagem de A Gaiola Dourada Nascido em Paris em 1980, com pai de Guimarães e mãe da Amadora, Ruben Alves apostou forte no seu primeiro filme, A Gaiola Dourada. Mergulhou na experiência dos pais, na sua própria infância, como filho da concierge de um prédio junto aos Champs Elysées e filmou uma comédia, tendo como protagonistas Rita Blanco e Joaquim de Almeida. Foi um sucesso de bilheteira em Portugal e em França, mas nem todos gostaram do retrato, que consideraram estereotipado e depreciativo, da primeira geração de emigrantes nacionais em Paris. O objetivo de Ruben era, no entanto, simples, como disse, à época da estreia, em várias entrevistas: "Sei que esta não é a realidade de todos, mas fiz este filme para os meus pais e para contar a história deles e de tantos como eles. É, de facto, uma homenagem." Radicado em Paris, Ruben ultima agora o seu segundo filme, que terá uma temática completamente diferente. Chamar-se-á Miss e será, como o próprio disse à Lusa, "sobre identidade, sobre tolerância e liberdade de ser quem somos. De escolher o nosso percurso até nos encontrarmos". O protagonista (Alexandre Wetter, modelo que já desfilou roupas femininas para criadores como Jean- Paul Gaultier) interpreta o papel de um adolescente que sonha tornar-se Miss França. Para quem esperava uma Gaiola Dourada 2, será uma surpresa e tanto..8. Emmanuel Demarcy-Mota Pontes artísticas Nascido em Neuilly-sur-Seine , em junho de 1970, filho da atriz portuguesa Teresa Mota e do dramaturgo e encenador francês Richard Demarcy, é desde setembro de 2007 o programador do Théâtre de la Ville, em Paris. Desta mescla de origens nasceu, além de uma paixão pelo Alentejo (a que chama "a sua pátria"), uma curiosidade insaciável pelo que, em matéria de teatro de artes performativas, se faz por essa Europa fora. Tornou-se um dos grandes impulsionadores do festival anual Chantiers d"Europe, por onde já passaram, entre muitos outros, mais de 60 espetáculos e 300 artistas portugueses. Demarcy Mota nega, porém, qualquer tratamento de favor aos compatriotas de sua mãe (e em parte seus, já que tem a dupla nacionalidade): "Nunca convidei os portugueses apenas por o serem. Fi-lo porque vi grande qualidade e uma geração que estava a aparecer, com quem é ótimo estar em diálogo, aqui em Paris e noutros pontos do mundo", disse em 2019, em entrevista à Lusa. Entre julho de 2021 e fevereiro de 2022, o encenador luso-francês presidirá à Temporada Cruzada Portugal-França. O objetivo será promover o intercâmbio cultural entre os dois países e envolverá várias áreas, desde as artes do espetáculo às ciências, passando pelas artes plásticas e pela gastronomia..9. Carlos Tavares Na condução de um império Portugueses (ou lusodescendentes) na industria automóvel francesa haverá muitos, mas a maioria ainda estará decerto nas linhas de montagem. Carlos Tavares (nascido em Lisboa em agosto de 1958), mais do que ser a exceção que confirma a regra, pretende reforçar a tendência para inverter tal situação. CEO do grupo PSA (grupo que junta a Peugeot, Opel, Vauxhall, Citroën e Chrysler Europe) desde 2014, acaba de ser considerado personalidade do Ano para o World Car Awards 2020, numa eleição de 86 jurados de 24 países, pelos seus "feitos significativos no ano que passou", nomeadamente "o regresso aos lucros" da PSA, tornando as marcas do grupo "intervenientes de classe mundial". Antes deste triunfo em toda a linha, Carlos Tavares já passara pelas administrações da Renault e da Nissan. A paixão pelos automóveis tornou-o ainda colecionador de modelos clássicos e piloto (amador) de ralis. Embora nascido em Lisboa, tudo no seu entorno familiar o convidava já à francofonia. A mãe, professora de Francês, e o pai, funcionário de uma companhia de seguros francesa, inscreveram-no no lisboeta Lycée Charles Lepierre e, daí, já na adolescência, rumou a Paris, onde terminou os estudos e começou a trabalhar. Nunca perdeu, todavia, a ligação a Portugal. Mantém casa em Lisboa e no Algarve, onde habitualmente passa as férias de verão..10. André Saraiva Mr A ou Le Baron Cidadão do mundo, antes de mais, André Saraiva nasceu em Uppsala, Suécia, a 2 de julho de 1971, filho de portugueses em exílio político. Aos 10 anos, a família levou-o para Paris, que rapidamente se tornou, mais do que a sua cidade, o seu palco. Aos 13 anos, muito antes da arte urbana estar na moda, iniciou-se nos graffiti, ao mesmo tempo que se ia tornando uma figura da vida noturna parisiense. Com uma espécie de alter ego pictórico - Mr A - tornou-se globalmente reconhecido pelos clientes e apreciadores deste tipo de arte, embora Portugal só o tenha realmente conhecido a partir de 2014, com uma exposição monográfica que lhe foi consagrada, em Lisboa, pelo MUDE - Museu do Design e da Moda. Mas para os parisienses, André Saraiva, mais do que um artista plástico, é um barão da vida noturna e um pouco um playboy. Empresário de hotéis e de espaços míticos como a discoteca Le Baron (que mais tarde viria a abrir também em Nova Iorque), foi, desde muito cedo, figura regular na imprensa francesa, sozinho ou em vistosas companhias..11. Paula Simão Caravela de sabores Lusodescendente, Paula Simão trocou, em 2015, uma vida profissional em marcas de luxo como a Givenchy e a Swarovski por um negócio próprio. Não um negócio qualquer, nem sequer vagamente relacionado com a moda em que trabalhara toda a vida, mas um que honrasse devidamente os segredos ancestrais que a mãe trouxera de Portugal e transmitira, já na cozinha de Paris, às duas filhas. Na Rue do Faubourg Saint Martin, 12, abriu uma épicerie fine portugaise, onde o principal objetivo é demonstrar aos parisienses que a paleta gastronómica dos portugueses vai muito para lá das 1001 maneiras de cozinhar (e comer) bacalhau. Lá, estão à venda, mas também para degustação no local, as cervejas e os chocolates artesanais, os patês de vinho do Porto, o mata-bicho de alho, o doce de pimento e malagueta, o queijo de figo, entre muitas outras iguarias. Mas a estrela da casa é indiscutivelmente a "sardinoteca", ou seja, um quadro composto por centenas de variedades e marca de conservas, que acabam de vez com a ideia que as reduz a "comida de acampamento". Mas esta épicerie não é apenas um lugar para ir às compras. Com os interiores muito cuidados (onde não falta o galo de Barcelos), convida a que se fique, por exemplo, para o brunch dos sábados, inteiramente composto por ingredientes portugueses confecionados, uma vez mais, à maneira portuguesa. Mas ao longo da semana é possível ficar aqui para uma sanduíche, uma sopa rica ou simplesmente para um copo de vinho..12. Valérie du Carmo A herança do fado Nos arredores de Paris, em Vincennes, está, desde 2014, a Académie do Fado. Além de promover espetáculos, proporciona aulas de canto, viola e guitarra portuguesa a quem a frequentar. Dinamiza-a Valérie do Carmo, jurista e lusodescendente, também ela fadista nas horas vagas (antiga estudante de solfejo no Conservatório de Paris) e filha de um emigrante que, em casa, nunca deixou de o cantar. "O fado foi o vínculo que me permitiu estar sempre ligada a Portugal e à língua portuguesa, porque desde criança que pratico o português", disse na altura da abertura da academia, onde Philippe de Sousa, licenciado em Musicologia em Paris, assegura os cursos de guitarra portuguesa e Nuno Estevens os de viola. Residente em Vincennes, às portas da capital francesa, Valérie soube que a antiga proprietária da escola de música da cidade queria trespassar e decidiu que estava na altura de realizar o seu sonho. Associou-se a uma descendente de espanhóis, Anita Losada, e dividiram o espaço. Para Anita, a Academia de Flamenco. Para Valérie, a do Fado. Aos alunos são ainda proporcionadas visitas de estudo a Portugal e a oportunidade de participar em espetáculos e récitas com público ao longo do ano letivo.