"Ainda hoje, não falhámos os casamentos." Foi há quase 51 anos que Marcolino Gomes, 76, vestiu o fato preto como um dos noivos de Santo António. Casou-se em 1968 com Ermelinda Gomes, 72, o seu "amor de todos os dias". Lembram-se bem daquele 12 de junho em que a cidade os viu tornarem-se marido e mulher. Mas quiseram mais do que a sua memória. Como católicos, mas principalmente como antigos noivos de Santo António, hoje não perdem o dia em que outros casais iniciam uma vida a dois sob a imagem do santo mais casamenteiro de todos. Se puderem, marcam presença na praça, junto à Sé. Senão, veem tudo pelo televisor. Desde então, "tudo mudou", diz Ermelinda..A começar pelo processo de preparação da cerimónia. A antiga noiva de Santo António conta que os casais eram informados de que tinham de passar por um teste de virgindade para poderem subir ao altar. "Ficámos a contar com aquilo, esperámos e fomos regrados, mas o teste nunca aconteceu." Era a forma que havia para garantir que "não era qualquer um que se casava" diante do santo..O casal, natural de Valpaços, em Trás-os-Montes, que entretanto se mudou para Lisboa, lembra como as próprias duplas de noivos eram diferentes. Agora, alguns já chegam ao altar com filhos e outros com histórico de divórcios - impensável de acontecer na época, garante.Mas não foi só o que mudou desde então. Ao lado de Ermelinda e Marcolino, sessenta outros casais contraíram matrimónio - uns pelo civil, mas a maioria optou pela cerimónia religiosa. Alguns marcaram lugar nos casamentos do ano passado para renovarem os votos quando da celebração das bodas de ouro. "E quero chegar às bodas de diamante", diz Marcolino. Contudo, hoje são apenas 16 casais, entre as 200 candidaturas registadas em 2019..Em 1958, pela primeira vez, 26 casais deram o nó na Igreja de Santo António. Na primeira página do Diário de Notícias, dava-se conta do evento: "Trinta e seis casais jovens e humildes contraíram ontem matrimónio na Igreja de Santo António da Sé." Durante anos, o jornal contou a história deste dia e dos casados de fresco..Marcaram a história da cidade e o dia repetiu-se durante décadas, até hoje, embora com uma pequena interrupção no tempo, nos anos anteriores ao 25 de Abril de 1974. "O milagre da manhã de ontem, a que nem sequer faltou sol de oiro e de apoteose, é a prova mais irrefutável do juízo do povo e da lenda secular", era escrito nas páginas do jornal..Desde sempre, os casamentos de Santo António acontecem em paralelo com a festa popular da cidade, entre os fogareiros acesos para as sardinhadas nas ruas de Lisboa e os cortejos marchantes do povo, erguendo os manjericos. A ideia nasceu naquele mesmo ano, patrocinada pelo entretanto extinto Diário Popular, para dar a oportunidade de casar a quem não poderia suportar os custos associados. Começou por ser uma cerimónia totalmente suportada pela Câmara Municipal de Lisboa, mas atualmente está ao abrigo da Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC), em parceria com várias entidades..Foi desde sempre vista como uma iniciativa de cariz social na cidade. Mas não foi por falta de dinheiro para casar que Ermelinda e Marcolino decidiram candidatar-se. Embora, confesse, conseguir casar seria um esforço financeiro hercúleo para ambos. A verdade é que, na altura, "toda a gente falava dos casamentos de Santo António", conta. "E eu sempre disse que me iria casar lá.".Meio século passado, foram convidados para serem congratulados como "noivos de ouro" e celebrar os 50 anos de casados. Levaram com eles a imagem de um Santo António e um vídeo do seu casamento. Neste ano, tencionam aguardar os novos noivos junto à Sé. Vivem em todos os 12 de junho a memória do que um santo um dia lhes deu.