A fatura está cada vez mais pesada e para a história fica a fama que outrora Portugal envergou de ser um destino bom e barato. O prestígio que ultrapassou fronteiras nos últimos anos e atraiu visitantes do outro lado do Atlântico traduziu-se numa afluência recorde de turistas e também no incremento da conta final dos vários serviços alocados à atividade turística, incluindo o alojamento. Nunca foi tão caro fazer turismo no país e, pela primeira vez, o preço médio por noite não só atingiu como superou a fasquia dos 200 euros..O Algarve foi o recordista no ranking nacional em agosto com um rendimento médio por quarto ocupado (ADR) de 205,7 euros por noite, o que representa uma subida de 6% face ao mesmo período do ano passado, de acordo com os dados ontem divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Este indicador é medido através da relação entre os proveitos de aposento - que respeitam apenas às receitas amealhadas pelos alojamentos turísticos com as dormidas - e o número de quartos ocupados em determinado período. É a primeira vez que, em média, esta tarifa chega à casa das duas centenas de euros..O Algarve posiciona-se, desta forma, à frente da média nacional, que apresenta um ADR de 153,3 euros no oitavo mês do ano. Recuando até 2019, ao período pré-pandemia, conclui-se que pernoitar num hotel, hostel, turismo rural ou Alojamento Local em Portugal pesa agora mais 32% na carteira do que há cinco anos..Os tempos da covid-19 deram também alento ao Alentejo, que viu a procura galopar numa altura em que fugir das grandes cidades era ordem. A região caiu nas boas graças de quem a visitou e manteve o dinamismo, pautando-se por aquela que é conhecida como a aposta em valor: puxar pelo preço em detrimento do número de dormidas ou seja, faturar mais com menos. O Alentejo foi a terceira região do país com menos dormidas em agosto - 527 mil, só atrás dos Açores, com 439 mil, e da Península de Setúbal, com 219 mil -, mas ocupou o 2.º lugar no parâmetro do preço com um ADR de 162,5 euros por noite (+5%), surgindo logo depois do Algarve..Os crescimentos mais expressivos, nota o INE, ocorreram nos Açores (+14,2%) e na Madeira (+11,8%). Em sentido inverso, os preços na Grande Lisboa recuaram, pela primeira vez, em quatro anos, sendo que a última descida se verificou por consequência da pandemia. Em agosto, o ADR na capital fixou-se nos 156 euros por noite, o que representa um recuo de 2% em comparação com o mesmo período de 2023. Também a Região do Oeste e Vale do Tejo registou igual quebra neste indicador para os 101,5 euros. Já no Norte os preços avançaram 4% para os 118,5 euros. .Receitas em máximos históricos.De recorde em recorde, a matemática do turismo não tem sido difícil de fazer. Com um maior número de hóspedes a desembolsar mais dinheiro pela estada, os alojamentos turísticos do país somaram, no acumulado de janeiro a agosto, um máximo histórico de 4,5 mil milhões de euros em proveitos totais (+10,5%), que além do alojamento contabiliza outros gastos inerentes à estada dos turistas como restauração, lavandaria, tabacaria ou comunicações..As receitas angariadas com as dormidas cresceram na mesma linha (+10.4%) totalizando 3,5 mil milhões de euros. Olhando apenas para o mês de agosto, o Algarve foi a região que mais contribuiu para a globalidade dos proveitos (36,6% dos proveitos totais e 36,4% dos proveitos de aposento), seguido da Grande Lisboa (20,2% e 20,9%, respetivamente) e do Norte (14,4% e 14,5%, pela mesma ordem)..“Todas as regiões registaram crescimentos nos proveitos, com os maiores aumentos a ocorrerem nos Açores (+23,4% nos proveitos totais e +24,7% nos de aposento) e no Alentejo (+12,6% e +13,3%, respetivamente)”, explica o gabinete de estatística..Os bons números do setor não se ficam pela franja do alojamento. Recentemente, o presidente do Turismo de Portugal, Carlos Abade, adiantou que as receitas totais da atividade do país deverão ultrapassar os 27 mil milhões de euros este ano, ficando acima dos 25 mil milhões de euros alcançados em 2023. .Hóspedes e dormidas batem recordes.Depois de um ligeiro abrandamento no último ano, o número de hóspedes voltou a ganhar vigor. Entre janeiro e agosto os alojamentos turísticos receberam 21 milhões de hóspedes (+5,1%) que foram responsáveis por 55 milhões de dormidas (+4,1%)..O apetite dos estrangeiros pelo país continua pujante e os números não enganam: os visitantes internacionais foram responsáveis por 70% das dormidas em território nacional. O Reino Unido mantém a liderança, com um peso de 18%, segue-se a Alemanha, com 11%, e a Espanha, com 10%. Os Estados Unidos apresentam-se como o quarto mercado emissor, representando 8% das dormidas realizadas no país. .Há turismo a mais?.Apesar de o ano ainda não ter chegado ao fim, os dados não deixam margem para dúvidas na conclusão: 2024 será o melhor ano de sempre para o turismo do país. E a dinâmica crescente do setor reflete-se também na principal porta de entrada dos turistas no país. Nos oito primeiros meses do ano foram movimentados 47 milhões de passageiros nos aeroportos nacionais, mais um máximo histórico que representa um salto de 4,5% face ao mesmo período de 2023, adiantou ainda o gabinete de estatística..“Em agosto de 2024, nos aeroportos nacionais movimentaram-se 7,4 milhões de passageiros e registou-se o desembarque médio diário de 116,5 mil passageiros, valor superior em 3,2% ao registado em agosto de 2023 (112,9 mil)”, refere o INE..Em linha com as dormidas, os dados do transporte aéreo referem que o Reino Unido foi o principal país de origem e de destino dos voos, tendo registado crescimentos no número de passageiros desembarcados (+1,7%) e embarcados (+2%) face ao mesmo período de 2023. França e Espanha ocuparam a 2.ª e 3.ª posições, como principais países de origem e de destino..Os números inéditos do setor, que se superam a cada estatística mensal, têm levantado a discussão sobre a sustentabilidade do crescimento do turismo no país. A pressão no Aeroporto Humberto Delgado, o aumento das rendas nas grandes cidades, o crescimento do alojamento local nos últimos anos, a segurança e a limpeza - ou a falta delas - nos centros urbanos são alguns dos tópicos que têm ladeado a reflexão. O professor e investigador do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes (ISMAT), no Algarve, Miguel Nuno Portugal, rejeita que Portugal tenha turistas a mais e defende que o problema assenta na concentração de um elevado número de visitantes nos mesmos locais..“A ideia, e com alguma razão, que locais como Lisboa, Porto e Algarve estão a sofrer as dores de crescimento provocadas pelo aumento do número de turistas, considerado por alguns como excessivo, tem de ser analisada não de forma localizada, mas sim de uma forma global. Mais uma vez temos de combater a tendência para a centralização e apostar e desenvolver o restante território português, com oferta turística de qualidade”, refere..Para o também diretor da licenciatura em Gestão do Turismo há, no entanto, desafios que devem ser acautelados com o aumento da procura. “A reparação das nossas infraestruturas para evitar a sobrecarga com o aumento de turistas, como por exemplo as principais estradas, transportes públicos e serviços básicos, proporcionar uma recolha de lixo adequada ao aumento da sua produção, a limitação de circulação excessiva em zonas protegidas para garantir uma sustentabilidade ambiental, garantir o respeito e manutenção das culturas das comunidades locais, evitando assim conflitos entre visitantes e visitados”, enumera. Miguel Nuno Portugal sublinha ainda a importância de escudar a economia local e proteger os pequenos negócios, criar regulamentação e apostar no planeamento urbano..Já a presidente da Entidade Regional de Turismo da Região de Lisboa (ERT-RL) concorda que o turismo, à semelhança de outras atividades, deva ser regulado, mas alerta para a importância desta pesada franja da economia nacional. “As nossas cidades, no seu planeamento, têm de passar a incluir estratégias de integração do turismo, que sejam inclusivas com os locais. Mas realistas e conscientes de que esta tem sido a atividade que tem ajudado a nossa economia, que emprega milhares de pessoas e que tem a contribuição que tem para o PIB nacional”, aponta Carla Salsinha..A responsável afiança ainda que o turismo muito tem feito pelas “cidades, pelo emprego e pela economia” e imputa também responsabilidades à autarquia. “Hoje a cidade de Lisboa recebe para higiene urbana e limpeza cerca de oito milhões, anualmente, via Taxa Turística. Se os lisboetas não sentem isso não podemos culpabilizar o turismo, mas sim se a articulação entre os serviços da Câmara Municipal de Lisboa e os serviços das juntas está a ser feito da melhor forma”, indica..Carla Salsinha defende a necessidade de uma maior transparência por parte do município gerido por Carlos Moedas no que respeita à finalidade das taxas turísticas aplicadas na cidade. A presidente da entidade que representa o turismo da capital defende ainda a via da regulação, da gestão de fluxos e de circulação de pessoas, bem como a gestão integrada de entradas em museus e monumentos..A ERT-RL tem solicitado à câmara de Lisboa que junte os players não para estudar soluções, pois elas já existem noutros países. “Não precisamos de mais comissões de avaliação ou de estudo, mas sim de aplicação de medidas concretas e a maior parte dos operadores tem as soluções”, garante.