Qual é a posição dos agricultores portugueses sobre acordo? Acho que há muita desinformação sobre isto. Os franceses fizeram um grande reboliço com o acordo. Mas há dados impressionantes que os contrariam. A primeira é que eles foram também muito contra o CETA, o acordo com o Canadá, e estive a ver uns dados esta semana. Eles eram totalmente contra, e nos últimos sete anos eles triplicaram o excedente comercial com o Canadá. Triplicaram em sete anos. Outra coisa objetiva: o contingente de carne de importação do Mercosul é 1,5% do consumo europeu. Estamos a falar do quê? A CAP subscreveu uma carta que a organização europeia de confederações de agricultores de toda a Europa contra o acordo do Mercosul, mas enviámos uma carta ao presidente a dizer que subscrevemos apenas por solidariedade..E porquê?Porque isto para Portugal, no sector do vinho e do azeite, é altamente positivo. E nós importamos 50% da carne de vaca. Agora, os franceses estão a fazer uma tempestade num copo de água. Parece-me um exagero. Isto tomou uma proporção política e Macron atravessou-se com isto. Eles estão com uma crise política complicada e baralhou-se tudo. Macron apertou com as grandes superfícies e eles vieram dizer que não compravam carne da América do Sul. Mesmo para Portugal há algum ponto do acordo que possa colocar algum risco? Para Portugal, em termos agrícolas, não vejo que isto seja negativo. Pode haver alguma influência, algum toque, no preço da carne de vaca, mas acho difícil. Com as quantidades de que estamos a falar, com 1,5%, acho que é mais conversa e politiquice do que outra coisa qualquer..E aquelas acusações [de organizações francesas] de falta de condições de segurança alimentar nas explorações do Brasil? Eu vi explorações há 10 e 20 anos no Brasil e eles já tinham o mesmo que nós temos cá. O mesmo controlo da questão sanitária. Isso é conversa para ver se há uma reação dos consumidores..Estamos a falar de uma tentativa de protecionismo ao agricultor francês?É. Estas importações têm missões veterinárias que vão lá confirmar aos matadouros. Aliás, já tivemos o contrário: uma vez veio cá uma missão da China para exportarmos para lá frangos. Viram um determinado procedimento no matadouro e disseram logo que não. Estas coisas não são assim. As pessoas é que acham que isto é tudo às três pancadas. Não é nada. E quando se quer arranjar argumentos administrativos para dizer que não, arranjam-se. Aí há uns dez anos, o Brasil não queria o azeite português. Sabe o que é que fez? Por cada caixa de seis [garrafas] queria análises. Ninguém consegue fazer isso, porque o custo que isso tem é brutal..Como diz, entraves administrativos.Verdadeiras barreiras. Mas comercialmente, quando se abre uma guerra, é muito complicado. E vamos lá a ver: há uma coisa que é verdade e que terá muito mais impacto na agricultura francesa, por exemplo, – não na portuguesa – que o acordo com o Mercosul..Qual é? Uma adesão da Ucrânia, por causa da sua capacidade de produção de cereais. Estive com um representante de uma associação de produtores ucranianos e ele disse uma coisa que eu fiquei muito admirado: “vocês não pensem que queremos entrar para a Política Agrícola Comum. Nós não queremos isso. Eu quero continuar a ser competitivo no mercado mundial. E se tiver que cumprir as regras da política agrícola, deixo de ser competitivo. E eu não quero isso”..E o que respondeu?Veja bem o que ele me disse. Aí eu pensei: este tipo está a pensar bem. Porque se entrar para a União Europeia, com todas as regras de segurança, ambientais, etc, ele deixa de ser competitivo no mercado mundial. Não consegue. E ele não consegue vender a sua produção na Europa, porque a Europa não lha consome. Se tiver custos mais elevados, deixa de ser competitivo, perde os mercados onde faz hoje o seu negócio. E eu disse “está bem”..Mas não se pode escolher umas cerejas porque são doces e outras que são azedas...Mas repare. Eu dizia isto e continuo a dizer: a Política Agrícola Comum não é para as dimensões da Ucrânia. Isto é para um agricultor que é mais pequeno e que, com isso, consegue ter um enquadramento e uma certa condução dos modos de produção na Europa. Agora, se pensarmos friamente e como o ucraniano transmitiu, ele tem razão. Se ele tiver que cumprir as regras da União Europeia, não consegue vender o trigo, que é um produto completamente commodity, indiferenciado. Trigo é trigo. Tem uma determinada humidade e acabou, não tem mais diferença nenhuma. O que é que interessa para quem compra trigo se cumpriu a regra A ou regra B? Nada. Zero..Então, essencialmente é um bom acordo para Portugal?Essencialmente, o acordo tem fatores positivos e negativos, como em todos, tem ofensivos e defensivos. A análise que nós fazemos é que para um mercado de 700 milhões de consumidores, onde há um mercado brasileiro para o vinho e para o azeite, é positivo de certeza. Para a pêra-Rocha, o Brasil é o maior destino de exportação, também é possível que venha a ter alguma vantagem. Vem a carne, mas nós importamos 50% da carne de vaca que consumimos. Aquilo que está no acordo do Mercosul, face à quantidade que é produzida na Europa é 1,5%. É isso que vai fazer variar os preços? Acho que não é.