Rui Moreira está decidido a encontrar uma solução para a casa onde nasceu Almeida Garrett, à venda pelos atuais proprietários por 3,8 milhões de euros. No decorrer desta semana, marcada por protestos de alguns movimentos cívicos do Porto, que pedem à câmara que exerça o direito de preferência e compre o imóvel, o autarca iniciou contactos com investidores, tendo em vista o dois em um: dinheiros privados, mas com a garantia de que o edifício, com Pedido de Informação Prévia aprovado para apartamentos, comércio e um hotel, manterá o interesse cultural e acolherá um Museu do Liberalismo..Em declarações ao DN, o presidente da Câmara do Porto não excluiu ainda o exercício do direito de preferência e quer pedir nova avaliação do imóvel depois da que foi feita em 2019 ter ficado muito aquém do asking price, “inviabilizando” assim a decisão camarária de avançar para a compra..“A Câmara do Porto está interessada em preservar o espaço, porém atendendo às contingências colocadas pela lei, a solução que passe pela mobilização de um investidor seria a melhor”, diz ao DN Rui Moreira, que garante: “Estamos a trabalhar nisso.” Mas não deixa de lembrar que o Estado também pode exercer o mesmo direito. Ao DN, o Ministério da Cultura fala menos: “Por enquanto não faremos comentários ao caso.”.As “contingências”.“São contingências legais”, defende-se o autarca. “Em compras superiores a 300 mil euros, o Tribunal de Contas exige que o preço não exceda a avaliação, por avaliadores independentes.”.Numa avaliação pedida pela CMP em 2019, única até agora, os valores andaram na ordem do 1750 mil euros, quando o valor da transação era quase o dobro. Sabendo que os valores de 2024 serão seguramente superiores, o autarca diz-se agora disponível para pedir uma segunda avaliação, passo que os críticos consideram “essencial”, e, afiançam, “não estava nas intenções iniciais do autarca”..“Reconheço que uma avaliação muito diferente do valor pedido pelos proprietários é um constrangimento para a câmara, mas em matéria imobiliária seria um erro não reconhecer que os valores de hoje são muito diferentes dos de 2019”, diz ao DN Manuel Pizarro. Para o candidato socialista à Câmara do Porto, o fundamental é “haver vontade política”. .“Ou a câmara quer a casa, ou não quer ,e essa decisão é política”, diz o dirigente socialista, numa fase que começa a ser de pré-campanha eleitoral. Para Rui Moreira, a questão não é simples: “Ao longo dos anos, a Câmara do Porto quis exercer o direito de preferência muitas vezes e rarissimamente foi bem-sucedida. Houve várias anulações consumadas pelos vendedores”, explica o presidente, que tem vindo a pedir alterações à lei. “Tem havido entendimento nos tribunais que, apesar de ter o direito de preferência, a câmara, sujeita que está a aprovação do Tribunal de Contas, não pode inviabilizar os negócios. Temos perdido alguns desses casos.”.Neste, “sabemos que há asking price, mas não sabemos se há comprador, nem podemos exercer o direito de preferência antes de a transação estar feita”, lembra Moreira..Expropriação.António Araújo, presidente do movimento Porto com Porto, tem defendido para a Casa Garrett a solução “mista”: “Compete à câmara desenvolver todas as iniciativas, quanto à compra - e a transformação do espaço num Museu do Liberalismo -, e uma delas passa por chegar a um consenso com os compradores, preservando uma parte para o museu e a restante para hotel e apartamento.”.O responsável pelo movimento, “criado para pensar a cidade”, médico e putativo candidato à edilidade, acusa a câmara de estar desfasada da realidade da cidade ,“e isso tem ficado claro neste processo”..Já a comunista Ilda Figueiredo, em reunião camarária, avançou com a possibilidade de uma expropriação. “Trata-se de património, que mais não seja simbólico: a casa onde nasceu um dos símbolos maiores do liberalismo e do romantismo, uma figura do Porto com grandeza nacional”, diz Figueiredo. Defende, por isso, que se deveria “propor ao Governo uma expropriação, de maneira a transformar o espaço num Centro de Estudos de Garrett”..Figueiredo é uma das cerca de 1400 pessoas que já assinaram uma petição lançada pelo coletivo Vizinhos em Vias de Extinção, um dos movimentos mais ativos na contestação à transformação do imóvel em hotel e apartamentos. “É fundamental garantir a afirmação histórica e cultural do Porto e de Portugal através da criação de espaços vivos, de memória, reflexão e debate”, dizem..Classificação.O lote em que se integra o edifício tem 1616 metros e fica situado no centro histórico do Porto, considerado Património Mundial da Humanidade pela UNESCO. Porém, quem lê o anúncio de venda, não desconfia das contingências que a classificação acarreta. “Se, como nós, vê uma tela em branco repleta de possibilidades, temos a certeza de que gostará de saber que tem PIP aprovado para edifício de apartamentos e comércio, com 13 frações, além de projeto de arquitetura para Hotel de Charme, alargando o leque de abordagens de investimento”, pode ler-se..“Tela em branco”, não será seguramente. Porém, de acordo com a câmara, não há forma de impedir que dali venha a nascer um hotel ou um grupo residencial. “Dentro, claro, das imposições a que uma zona classificada obriga, nomeadamente em relação à fachada”, que é praticamente o que resta do edifício onde nasceu o escritor..Foi em 2019, por ocasião das comemorações dos 200 anos de liberalismo e umas semanas antes de um incêndio transformar o edifício numa carcaça, que Ilda Figueiredo levou o caso a reunião de câmara, propondo a compra, pela edilidade, da Casa Almeida Garrett, usando o direito de preferência, recomendação aprovada por unanimidade em Assembleia Municipal..Hoje, a comunista promete estar muito atenta. “Iremos até onde for preciso”. Ao Parlamento, ao Governo, a Marcelo Rebelo de Sousa..Helena Ferreira, presidente da Associação de Comércio Tradicional Bolha d’ Água não aceita o argumento “ do dinheiro”. “Esta cidade tem despejado milhões de euros. Aqui não há falta de dinheiro. Estamos a falar da Casa Almeida Garrett e de dois edifícios contíguos, basicamente um quarteirão, onde se poderia fazer habitação a custos controlados. E se o Porto precisa.”