PCP, BE e Chega e as mil formas de taxar a banca

PCP, BE e Chega e as mil formas de taxar a banca

Comunistas e bloquistas já apresentaram várias propostas para pôr a banca a suportar parte da crise na habitação. Mas as soluções apontadas por PCP e BE não são as mesmas que André Ventura propôs no Parlamento e na Convenção do Chega.
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Os bancos que paguem a crise”, é uma frase que se ouve algumas vezes, quando o tema é a subida dos juros que agrava a situação na habitação, numa altura em que a banca em Portugal lucrou 8,5 milhões de euros por dia no último ano. Até há pouco tempo, PCP e BE eram os únicos partidos a defender a taxação dos chamados “lucros extraordinários”, mas ultimamente o Chega inverteu o discurso (e as votações) em matéria de receitas da banca. Será que a esquerda e a extrema-direita propõem, afinal, o mesmo?

PCP contra taxas consignadas

“Não há nenhuma semelhança entre o combate sério e a intervenção que tem sido feita pelo PCP e usar este problema para sacudir a ideia de que são a voz dos interesses económicos”, reage ao DN Vasco Cardoso, membro da Comissão Política do PCP, que vê no anúncio de uma taxa sobre a banca para pagar os créditos à habitação, feito por André Ventura na Convenção do Chega, “um elemento de propaganda para negar o que toda a gente vê”, ou seja, que “são uma força financiada pelo grande capital”.

No PCP, a resposta à pressão do aumento dos juros nos créditos à habitação e a taxação dos lucros extraordinários faz-se em dois tabuleiros paralelos. “Sempre fizemos questão de diferenciar o que é política de habitação do que é fiscalidade. Somos muito avessos a impostos consignados”, explica o deputado comunista Bruno Dias, manifestando-se contra à existência de uma taxa para ser utilizada para um único fim. Para fazer face aos aumentos dos créditos, o PCP propôs um pacote de mecanismos, no qual o Estado seria um mediador entre a banca e as famílias. Entre essas medidas, estava a fixação do limite máximo da prestação em 35% do rendimento mensal do agregado familiar, a redução de taxas e comissões bancárias e a possibilidade da conversão do crédito em arrendamento para a habitação. “Não apresentámos nenhum mecanismo que passasse por uma taxa”, vinca Bruno Dias.

A taxa sobre os lucros excessivos da banca que os comunistas defendem insere-se, explica Vasco Cardoso, numa lógica de justiça fiscal mais abrangente. “A questão de fundo é que temos setores altamente rentáveis cuja dimensão fiscal tem vindo a decair”, sublinha Cardoso, que compara a taxa média de 17% de imposto (tendo em conta o IVA) a que está sujeito um trabalhador que receba o salário mínimo nacional (e por isso está isento de IRS) com o que pagam empresas financeiras, seguradoras e energéticas. “Não há nenhum banco que tenha uma taxa efetiva de imposto de 17%”, afirma, lembrando que o PS usou a maioria absoluta para repor à banca a possibilidade de reporte de prejuízos fiscais em sede de IRC, que exista no tempo da troika.

“Fazemos uma abordagem relativamente aos grupos económicos onde se insere a banca, mas não só, que combate esta corrida para o zero, que é a de os grandes grupos só ficarem satisfeitos quando não pagarem impostos, ao contrário de todos os outros”, diz o dirigente comunista, que não acredita, apesar de tudo, que o problema se resolva apenas com uma taxação extraordinária. Para explicar porquê, lembra a forma como o setor do retalho ou as energéticas contestam nos tribunais taxas a que foram sujeitos os seus lucros extraordinários. “Há sempre uma margem de litigância. Se depois não pagam as taxas extraordinárias, estas taxas não resolvem o problema de fundo.”

Chega contra taxa do BE

O BE tem defendido a ideia de que os bancos devem ser parte da solução da crise na habitação. “Os bancos estão a beneficiar do aumento das taxas de juro do BCE nos créditos mas não o devolvem aos clientes através da remuneração dos depósitos”, alertava em maio Mariana Mortágua, propondo um aumento da contribuição extraordinária à banca que é canalizada para o Fundo de Resolução (através do qual os bancos pagam o empréstimo do Estado), que não é atualizada desde 2016.

A proposta era que a taxa aplicada ao passivo apurado dos bancos triplicasse no valor mínimo e duplique no seu máximo, passando o seu intervalo a ser entre 0,03% e 0,2%. Foi chumbada. Como foram chumbadas várias outras iniciativas que o Bloco tem apresentado para criar taxas extraordinárias sobre os lucros da banca ou reduzir as comissões bancárias, que nos últimos anos dispararam à boleia do argumento de que eram uma forma de compensar os juros zero da zona euro, mas que não baixaram quando o BCE começou a aumentar os juros bancários. “Neste momento, em que os bancos apresentam lucros extraordinários, astronómicos, que vêm diretamente do esforço das pessoas que pagam o seu crédito à habitação, é apenas justo que aumente a contribuição sobre o setor bancário e que os bancos devolvam ao Estado uma parte do dinheiro que o Estado lhes emprestou no passado”, argumentava na altura Mariana Mortágua.

A coordenadora do Bloco criticava o facto de os bancos manterem comissões “astronómicas” e fazerem repercutir a subida dos juros nos créditos, mas não nos depósitos a prazo, que continuam a render pouco. Dados do Banco de Portugal relativos a dezembro de 2022 indicavam que a taxa de juro dos novos depósitos em Portugal era a mais baixa da zona euro. Estava nos 0,35% (muito abaixo dos 1,44% da média da zona euro), numa altura em que em França e Itália as taxas estavam acima de 2% e em Espanha a taxa média era de 0,64%.

Olhando para um histórico da votação de nove propostas bloquistas todas relacionadas com esta questão, há um dado curioso que salta à vista: a forma como Chega votou contra ou se absteve em todas, incluindo na ideia de atualizar a contribuição extraordinária da banca, que já existe (o partido de André Ventura absteve-se).

“O Chega tem um histórico que desmente esta conversa [de André Ventura na Convenção]. Trata-se de uma intervenção oportunista”, ataca ao DN o dirigente do BE Jorge Costa, que não tem dúvidas de que Ventura esteve “sempre do lado dos interesses da banca”, quando se tratou de votar no Parlamento. E que entende que, por isso, promessas sobre pôr os bancos a pagar os créditos à habitação “não têm qualquer credibilidade” quando vêm do Chega.

A proposta de Ventura

Em agosto, o Chega apresentou um projeto de lei no Parlamento que propunha que os lucros extraordinários da banca financiassem programas de apoio à habitação através de uma “contribuição solidária temporária”. Apesar de ter votado contra, em 2022, taxas extraordinárias sobre os lucros excessivos no setor da energia e da distribuição, o partido de Ventura entendia que esta taxa sobre a banca “é um meio eficaz e equitativo de garantir que todos os setores da sociedade contribuam para a solução de um problema que afeta uma grande parte da população” que tem dificuldades no acesso à habitação. 

 A taxa então proposta corresponderia a 40% dos lucros excedentários registados pela banca em 2023 e 2024, calculados com base na média dos lucros tributáveis entre 2019 e 2022. Uma proposta muito semelhante à que nessa mesma altura foi feita pela primeira-ministra italiana de extrema-direita Giorgia Meloni. 

A taxa que Ventura levou a votos no Parlamento seria temporária e “direcionada exclusivamente para o financiamento de programas de apoio à habitação”, nomeadamente através de subsídios para o pagamento de hipotecas, medidas de apoio a programas de reestruturação de dívidas ou de apoio à habitação acessível.

Na Convenção Nacional do Chega, em Viana do Castelo no fim de semana passado, André Ventura recuperou a ideia, mas desta vez não entrou em detalhes sobre os contornos da medida que constará do programa eleitoral do partido. “Será a banca e os seus lucros excessivos a pagar o crédito à habitação das famílias portuguesas”, disse , defendendo ser esta a altura de chamar os bancos a ajudar na resposta à crise na habitação.

“Pergunto com honestidade e objetividade, não será tempo de uma vez na vida, a banca fazer um pequeno sacrifício e ajudar os portugueses comuns a pagarem menos nos seus créditos à habitação?”, lançou o líder do Chega, naquela que foi a única referência ao problema da habitação no seu discurso de encerramento da VI Convenção Nacional do partido.

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