Vacina contra o cancro do colo do útero para rapazes? Pediatras a favor
Com os atuais níveis de vacinação contra o Vírus do Papiloma Humano (HPV) e o rastreio oncológico para diagnóstico precoce, a Austrália deverá reduzir a incidência do cancro do colo do útero para menos de quatro novos casos por 100 mil mulheres até 2028. Num país onde a média é, atualmente, de sete doentes por 100 mil habitantes, a expectativa é chegar a um novo caso pelo mesmo número de mulheres até 2066.
A manter-se a tendência atual, os autores do estudo publicado na Lancet acreditam que o cancro do colo do útero deverá ser erradicado eliminado na Austrália nos próximos 20 anos.
Uma previsão animadora, que estará relacionada com o facto de o país ter sido um dos primeiros a introduzir a vacina para mulheres contra o HPV, em 2007, e com o alargamento da imunização aos rapazes - que podem ser transmissores do vírus - em 2013, bem como de eficazes programas de rastreio.
Neste momento, a vacina contra o HPV faz parte dos planos nacionais de vacinação (PNV) de 89 países, mas na grande maioria (69), só é gratuita para as raparigas. É o caso de Portugal, onde em outubro de 2008 passou a ser dada a todas as adolescentes com 13 anos. No entanto, a Comissão de Vacinas da Sociedade de Infecciologia Pediátrica e da Sociedade Portuguesa de Pediatria "recomenda a administração da vacina Gardasil®9, a título individual, aos adolescentes do género masculino como forma de prevenir as lesões associadas ao HPV".
Contactados pelo DN, dois pediatras defenderam vacinação universal contra o HPV, ou pelo menos a sua comparticipação no sexo masculino, já que, se for administrada depois dos 15 anos (o que exige três doses), chega a custar aproximadamente 450 euros.
"Costumo recomendar a vacina. Neste momento, temos as meninas todas protegidas, mas os rapazes não. Para além de poderem ser um veículo de transmissão, é uma discriminação de género que não faz sentido, porque o vírus não faz distinções de género", diz ao DN Hugo Rodrigues. Para opinião do pediatra,"o ideal era que houvesse vacinação universal, mas, em alternativa, há uma solução intermédia, que passa pela comparticipação da vacina".
O Vírus do Papiloma Humano está associado a 99% dos casos de cancro do colo do útero. "Apesar de este cancro ser muito mais expressivo, o vírus do HPV também está relacionado com uma grande percentagem de cancros da região anal, do pénis, da cabeça e do pescoço, que atingem um número significativo de pessoas", sublinha Hugo Rodrigues, destacando que "se conseguíssemos eliminar o vírus, eliminaríamos o cancro do colo do útero e baixávamos a incidência dos outros".
Opinião semelhante é partilhada pela pediatra Paula Vara Luiz, que se assume "como grande adepta da vacinação do HPV para os rapazes". Ressalvando que recomenda a vacinação mas há pais que não conseguem suportar os custos da mesma, a especialista defende "pelo menos a comparticipação, que levaria a uma cobertura vacinal muito mais elevada".
Embora os estudos ainda estejam a decorrer, Paula Luiz diz que "sabe-se que entre 18 a 30% dos cancros da cabeça e pescoço são provocados pelo HPV, e estes têm duas vezes mais incidência nos homens".
Numa entrevista recente ao Público, Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, avançou que estava a ser equacionada a vacinação contra as infeções por HPV nos rapazes. "Os rapazes também são afetados pelo HPV, não o são é com a mesma magnitude que as raparigas, porque o vírus afeta outro tipo de órgãos. A grande carga do HPV nas mulheres é no cancro do colo do útero, porque não há cancro do colo do útero sem HPV - é mesmo uma relação direta -, e nos rapazes há outro tipo de cancros, da cabeça e do pescoço, na cavidade oral, do pénis, do ânus, ainda que não sejam apenas atribuídos ao HPV", afirmou.
Nas recomendações elaboradas em janeiro, a Comissão de Vacinas da SPP lembra que "a carga da doença por HPV é relevante no género masculino", já que os homens se encontram "em risco de desenvolver condilomas genitais, cancros do ânus, do pénis, da cabeça e pescoço e neoplasias intraepiteliais do pénis e ânus, estimando-se que na Europa seja elevado o número de novos casos/ano, associados aos tipos de HPV 6, 11, 16 e 18; 2".
Não existindo rastreio implementado para a prevenção de cancro associado ao HPV no género masculino, a mesma entidade considera que a forma de "reduzir individualmente o risco de doença, para além da proteção indireta, é através da vacinação".
Com a circulação entre países, "o contacto sexual com raparigas de zonas de baixa cobertura vacinal ou onde a vacina não é utilizada, podem colocar em risco os não vacinados".