António fala a espaços para organizar as ideias. Têm 43 anos e é médico de família num centro de saúde da zona centro do país. Não tem bem a certeza quando percebeu que tinha chegado ao limite - "foi há dois ou três meses, depois de um ano e meio a dois a sentir um cansaço maior que o habitual, uma grande pressão" -, mas sabe bem o que o levou a cair numa depressão que o obrigou a ficar de baixa. Metade dos médicos está em exaustão emocional ou em burnout e um quarto apresenta sinais de depressão. E são os clínicos mais jovens, entre os 26 e 35 anos, que mais sentem os efeitos do burnout..Os resultados fazem parte de um inquérito realizado, durante 2015, pela secção centro da Ordem dos Médicos, que resulta de uma amostra de 20% dos 8042 médicos inscritos na região, a quem foram enviados questionários online que só podiam ser respondidos uma vez. Segundo os dados, 40.5% dos inquiridos apresentam elevado nível de exaustão emocional (fadiga, perda de energia) e 7.4% está em burnout (além da exaustão emocional, é também o sentimento de despersonalização e falta de realização profissional). A isto juntam-se também níveis elevados de depressão, stress e ansiedade. Perto de 15% dos médicos disse que é ou já foi acompanhado em consultas de psiquiatria e 11.2% é ou já foi acompanhado em consultas de psicologia clínica..O retrato permitiu ainda perceber que a maioria dos médicos trabalha em exclusivo para o SNS e são estes que apresentam níveis maiores de exaustão emocional e menos realização profissional, 53,2% faz entre 40 a 60 horas semanais e 15,9% entre as 60 e as 80 horas por semana. Mais de metade (60%) faz urgências e 44% trabalho noturno. O estudo refere que são os médicos mais novos, sobretudo entre as 26 e os 35 anos, que mais sofrem de burnout, que quem trabalha de noite apresenta maior exaustão emocional e despersonalização e menos realização profissional e as mulheres estão mais exaustas e menos realizadas. Os que sentem menos os efeitos são os médicos mais velhos, com filhos e com cargos de gestão.."Estes dados são muito preocupantes, mas não surpreendem", afirma Carlos Cortes, presidente da secção centro da Ordem dos Médicos. O estudo faz parte de um projeto maior, iniciado há dois anos, com a criação de um gabinete de apoio ao médico e sensibilização para a violência sobre profissionais. "Os médicos que trabalham entre 60 a 80 horas semanais estão mais suscetíveis de sofrer de burnout, tal como os que fazem horário noturno. Também os mais novos sentem mais os efeitos, pelo excesso de trabalho e pela pressão que é colocada sobre eles em número de consultas e cirurgias, desprezando muitas vezes a qualidade. Ainda não têm estrutura e uma rede de pessoas que os ajude a ultrapassar a situação", destaca, salientando que face aos dados, mais médicos deveriam recorrer a consultas de psiquiatria..Horas a mais e muita pressão.António (o nome é fictício porque pediu para não ser identificado) sabe o que levou à situação extrema de procura ajuda num psiquiatra e a estar de baixa. "É o número de horas excessivo, imposição de horas extraordinárias que não queria fazer, trabalhar dois a três fins de semana por mês, entrar às 8.00 e sair às 20.00 muitas vezes com cinco a dez minutos de almoço, pressão do tempo para ver os doentes, a falta de médicos e a relação entre colegas", explica..Nos últimos anos as condições degradaram-se e também foi alvo de violência verbal de doentes, muitos deles da consulta aberta (dada a doentes que não têm médico de família). "Cria pressão, medo. Nunca sabemos o que vamos ter pela frente. Percebi que estava no meu limite quando vi que tinha de reler duas a três o contexto da observação e a medicação para ver se estava a perceber tudo de forma correta", diz. Ainda está longe de se sentir a 100%. Mas sabe o que gostaria de ver mudar para que ele e outros médicos se pudessem sentir capazes. "Mais organização, contratação de mais pessoal, redução de horário e mais formação", aponta António.."Se o médico estiver bem no seu local de trabalho, tem melhor condições para ter um bom desempenho e o doente fica a beneficiar. O Ministério da Saúde tem reconhecido nas últimas semanas que há um problema de desorganização no SNS. A pressão e a falta de organização potenciam a exaustão emocional e física. Há falta de recursos humanos e tecnológicos que impedem os médicos de usar de forma fácil os seus conhecimentos para cuidar dos doentes. Este não é um problema isolado dos médicos. Queremos criar mecanismos para minimizar o burnout", afirma Carlos Cortes. Os resultados do inquérito vão ser enviados ao ministério, à Direção-Geral da Saúde e às instituições da zona centro para que tenham noção do impacto do problema. Serão também partilhados com outras ordens profissionais e associações ligadas à saúde.