Medina dá vidros duplos e novas hortas a vizinhos da Feira Popular

Câmara garante barreiras sonoras para abafar o ruído do futuro parque de diversões, em Carnide. Moradores recusam deixar as hortas enquanto não lhes derem terreno alternativo
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Os moradores do bairro Padre Cruz que residam nos prédios contíguos ao terreno de 20 hectares da nova Feira Popular, vão ter direito a instalação gratuita de vidros duplos nas casas. A promessa é do presidente da Câmara de Lisboa mas será para vingar apenas se o ruído vindo da futura "zona de adrenalina" do parque de diversões for demasiado elevado, soube o DN com fonte da autarquia.

Fernando Medina vai assinalar hoje de manhã o arranque oficial das obras da Feira Popular, numa cerimónia à saída do Metro da Pontinha, na freguesia lisboeta de Carnide. Está previsto que os trabalhos demorem cerca de um ano.

O autarca poderá garantir aos moradores do Padre Cruz que, se houver necessidade, o executivo municipal assegurará o compromisso de instalar vidros duplos nas casas mais abrangidas pelo ruído excessivo, adiantou a mesma fonte. Estão também projetadas barreiras acústicas. No projeto arquitetónico para as obras no parque verde de 20 hectares foi concebida uma sobreelevação do terreno na parte exterior, com a plantação de árvores altas em colina para quebrar o ruído oriundo da "zona de adrenalina" que terá a montanha russa e os outros carrosséis barulhentos. O objetivo é que a área de lazer e de maior concentração de ruído, que terá um total de oito hectares, fique mais afastada das áreas residenciais. A nova Feira Popular estará dividida em três espaços: uma zona de adrenalina (carrosséis), uma zona familiar e uma zona de restauração, sendo que a maior parte do terreno será ocupado com espaço verde.

2,5 milhões de visitas por ano

A Câmara de Lisboa prevê que o grande parque de diversões da capital venha a receber 2,5 milhões de visitantes por ano, nos primeiros anos. O investimento da autarquia, que inclui a compra dos terrenos e a construção do parque, é próximo dos 20 milhões de euros. O investimento privado, em restauração e diversão, está cifrado em 60 a70 milhões de euros, segundo dados a que o DN teve acesso. A Feira Popular vai ainda trazer 600 postos de trabalho diretos e algumas centenas de postos de trabalho indiretos.

No bairro Padre Cruz sente-se a expectativa em relação à Feira. Quando se entra no bairro, e em conversa com os moradores, percebe-se rapidamente que as pessoas não estão revoltadas com a nova Feira Popular. O que muitos não querem é deixar as hortas que plantaram há décadas no terreno do futuro parque de diversões.São casos como os de Rosa Borges, de 69 anos, e da sua vizinha e amiga, maria Emília Neves, de 74, hortelãs há 24 anos, desde que foram viver para o Padre Cruz. Ambas viúvas, têm hortas contíguas e dignas de prémio pela boa aparência: couves viçosas, nabos, alfaces, árvores de fruto como figueiras ou pessegueiros. Rosa avançou logo de discurso pronto para o DN a lembrar uma promessa do autarca: "Fernando Medina prometeu que, a partir de março ou abril do próximo ano, quando o terreno da Feira Popular estivesse arborizado, que nos transplantavam as hortas para novos terrenos. Serão as futuras hortas comunitárias", contou Rosa Borges, garantindo que o autarca disse para "não tirarmos nada das hortas até irmos para outro lugar".

Rosa e Maria Emília têm ambas pensões de reforma que rondam os 300 euros e filhos adultos desempregados a seu cargo, tal como os netos. O que produzem nas hortas é sustento para a família.

Uma horta para doze bocas

O mesmo acontece com Arlindo Gonçalo, cabo-verdiano da Ilha do Fogo, de 48 anos, morador no Padre Cruz desde 1974. "Na minha casa costumamos sentar doze pessoas à mesa, entre filhos e netos", conta Arlindo. A sua horta alivia o orçamento familiar, que é pesado. Mas Arlindo está tranquilo. "Numa reunião que os moradores tiveram com a Câmara, há cerca de um mês, foi-nos prometido que teríamos direito a novo terreno para as hortas".

Arlindo é desempregado da construção civil. A mulher e a filha trabalham. Na horta, cultiva couves, batata doce, feijão de Cabo Verde e acrescenta a essa produção a criação de algumas galinhas, porque doze bocas para alimentar em casa não é tarefa fácil. Na sua barraca de utensílios, a que deu uma aparência moderna com um poster de uma jovem desportista, Arlindo guarda o labor de uma vida. Desde que possa continuar de enxada na mão, ainda que noutro local, o pai de família cabo verdiano não tem nada de mal a dizer da Feira Popular. "Acho que a Feira até pode ser uma alegria para todos. E pode dar trabalho a alguns".

Mas nenhum destes hortelãos experientes tem um currículo como o de Joaquim Oliveira, 86 anos, detentor de uma horta que ainda lhe foi cedida pelos antigos condes de Carnide há 60 anos. "Ainda semeio favas, ervilhas, couves...tanta coisa", conta o idoso, para quem a nova Feira Popular "não aquece nem arrefece". Joaquim Oliveira ainda se lembra do filho do conde de Carnide a andar por ali a cavalo. Eram outros tempos, outros carrosséis.

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