Parte das roupas à venda, até 2009, nas prateleiras de algumas das grandes cadeias de moda espanholas, como a Inditex e o El Corte Inglés, foram fabricadas pela máfia chinesa a partir de instalações clandestinas nos arredores de Barcelona. A revelação é do El País, que teve acesso ao relatório judicial da Operação Wei, que pôs a nu uma teia de subempreiteiros, em que cerca de meio milhar de chineses, na sua maioria em situação irregular, eram obrigados a trabalhar em condições de quase escravatura..Nessas fábricas clandestinas eram confecionadas roupas para 363 marcas e retalhistas, entre elas empresas que estão no top da moda mundial como Desigual, Punt Roma ou Cortefiel..Os grandes grupos não contratavam diretamente estas fábricas clandestinas e desconheciam a situação. A Cortefiel garantiu aos investidores que as empresas encarregues de produzir os lotes encontrados "tinham assinado o nosso código de conduta". A francesa Kiabi escreveu que "nos contratos proibimos expressamente os trabalhos forçados" e a Festa Moda alegou o seu "profundo desconhecimento" da situação..Mas se as marcas não sabiam de nada, como funcionava a operação? A relação com a máfia chinesa foi cosida através de um esquema em pirâmide, em cascata - as empresas espanholas faziam as encomendas a fornecedores nacionais e os intermediários, afinal, desviavam a produção para as pequenas fábricas clandestinas..As cadeias espanholas subcontratavam para "adaptar a produção às mudanças na procura". As condições eram claras para os fornecedores: teriam de ser espanhóis e com todas as formalidades em dia. Mas os "prazos eram curtos" e os "pedidos muito frequentes". As exigências obrigavam a mão-de-obra extra com cada vez mais frequência, explica o sumário do processo da investigação. Era aqui que entrava o negócio de intermediários da confeção... e a máfia chinesa..Um dos casos envolve a Intexetis, que fornece vestuário para os grupos El Corte Inglés e Inditex. Terá contratado uma outra empresa, a Josmigmar, que, por sua vez, terá cedido, "sem autorização", entre 500 e 800 unidades" a uma companhia chinesa, a Jiaem Wang..Os fornecedores da Catalunha recorriam com frequência a este tipo de empresas. "Aparentavam estar legais." Tinham licença e pagavam todos os impostos. Os intermediários repartiam, depois, as encomendas pelas várias fábricas, permitindo reduzir substancialmente os custos e embolsando os lucros. As ligações entre várias fábricas, todas em Mataró, na região de Barcelona, o bastião da indústria têxtil catalã, facilitavam a movimentação dos materiais e dos próprios trabalhadores. A situação de clandestinidade destas fábricas ficava "escondida, em parte" por detrás destes intermediários..O esquema foi descoberto em junho de 2009 pela polícia catalã em 72 armazéns. Operação que envolveu 750 operacionais, incluindo 300 investigadores. Além das máquinas e das roupas, a polícia encontrou uma "enorme quantidade de etiquetas" de grandes marcas. E não eram simples falsificações - os códigos de barras permitiram seguir o rasto das encomendas e chegar aos clientes finais, "grupos comerciais da indústria têxtil, de notória relevância em mercados nacionais e internacionais". Os investigadores destacam etiquetas de marcas do El Corte Inglés - Easy Wear, Fórmula Joven ou Hipercor - e da Inditex, a holding das conhecidas lojas Zara, Stradivarius, Bershka, Lefties e Pull&Bear..A polícia encontrou mais de 400 pessoas nestas pequenas fábricas clandestinas. Trabalhavam de segunda a domingo, sem feriados e durante 15 horas. Nas épocas de maior trabalho, cosiam até às três da manhã, dormiam quatro horas e voltavam para as máquinas. Dormiam em sótãos e comiam esparguete e arroz. Não havia janelas nem condições de higiene. E, por isto, ganhavam 25 euros ao dia, que serviam, em boa parte, para pagar a dívida "contraída com a organização que os tinha trazido da China"..Dos 77 detidos inicialmente na Operação Wei, só três donos de fábricas clandestinas foram condenados, na semana passada, a três anos e meio de prisão pelo crime de exploração laboral. A razão foi a dificuldade em encontrar testemunhas.