Crianças só têm 63 minutos por dia para brincar ao ar livre
Ir a pé ou de bicicleta para a escola, brincar ao ar livre e em espaços verdes ou com os vizinhos à entrada do prédio são, cada vez mais, coisas do passado. Sete em cada dez crianças portuguesas passam uma hora ou menos ao ar livre por dia e uma em cada três apenas meia hora ou menos no exterior. De acordo com um estudo efetuado pela Skip, o tempo médio de brincadeira ao ar livre em Portugal é de 63 minutos. Para incentivar a mudança de hábitos da sociedade, 400 escolas do país juntaram-se ontem para um dia de aulas ao ar livre.
"Este movimento ambiciona consciencializar a sociedade para a importância do conceito de brincar, evidenciando que, durante esse período, a criança desenvolve competências físicas, mentais e emocionais", explicou a Skip, marca de detergentes, que organizou a iniciativa, em colaboração com a Associação Nacional de Professores.
Para Luís Ribeiro, presidente da Associação de Profissionais de Educação de Infância (APEI), o pouco tempo que as crianças passam no exterior está relacionado com os hábitos das famílias e o enfoque que é dado atualmente aos currículos. "Há 30 anos, os pais brincavam com as crianças na rua, mas hoje as crianças brincam mais sozinhas, nas redes sociais", explica. Por outro lado, reconhece, "há um excessivo enfoque nas competências académicas dentro da sala de aula".
As Atividades de Enriquecimento Curricular, por exemplo, "prolongam o tempo" que passam em espaços fechados."Não têm tempo para brincar, estão sempre em atividades orientadas pelos professores", admite Luís Ribeiro. Embora essa liberdade para brincar exista no jardim-de-infância, acontece quase tudo em salas. "Ou porque chove, ou faz frio, ou está demasiado calor. Nos países nórdicos, o clima é mais rigoroso e as práticas são completamente diferentes."
O estudo realizado junto de 12 mil pais de vários países, entre os quais o nosso, revela que aproximadamente uma em cada três crianças não brincam diariamente em espaços abertos. O pediatra Hugo Rodrigues alerta para as consequências negativas que isso tem "para a saúde e o desenvolvimento das crianças". Ao estarem em espaços amplos, explica, os miúdos "desenvolvem a orientação espacial e as capacidades motoras e combatem o sedentarismo". E existem inúmeras outras vantagens. "Fala-se muito na falta de vitamina D. Esta está relacionada precisamente com a quantidade de luz que as crianças apanham."
Quando brincam em grupo, diz o pediatra, os mais novos também desenvolvem competências ao nível da socialização. Hugo Ribeiro destaca ainda que "nas salas, as regras são muito apertadas. As crianças precisam de espairecer, gastar energia e dispersar a atenção para depois se concentrarem".
As crianças precisam de andar na rua, saltar, correr, sujar-se, mexer na terra, sentir a água. Quem o defende é a investigadora Beatriz Pereira, do Centro de Investigação em Estudos da Criança do Instituto da Educação (Universidade do Minho). "Brincar com a criança na rua, deixá-la ir ao parque, ter um espaço onde possa brincar... Tudo isso está a desaparecer", frisa. Em Portugal, "não existe a cultura do ar livre", o que tem consequências negativas, uma vez que "a natureza e a sua transformação são fontes de aprendizagem".
Beatriz Pereira considera que a própria legislação devia estar orientada para permitir que pais com filhos pequenos pudessem passar tempo com eles fora de casa. "O desenvolvimento sau-dável passa por andar na rua", salienta. Na opinião da investiga-dora, a escolas devem incentivar as atividades ao ar livre. "Uma vez por mês, podem ir a pé visitar uma biblioteca, uma sala de um museu, uma igreja." Além de todos os benefícios já referidos, "a criança aprende, a andar na rua, as regras do civismo". Já os pais, devem tentar promover o maior número de atividades ao ar livre, tanto à semana, como ao fim de semana.
Com a participação de 400 escolas, a iniciativa Dia de Aulas ao Ar Livre envolveu cerca de 40 mil alunos de norte a sul do país. O movimento vai repetir-se até ao final do ano em vários países, sendo esperado que um milhão de crianças possa ter um dia de aulas ao ar livre. A ideia é que adaptem as aprendizagens ao mundo real.