Balanço de dez anos de combate a incêndios é "francamente negativo"

Académico alerta para fatores de risco negligenciados e avisa: as alterações climáticas vão tornar os incêndios num problema do ano inteiro
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Um balanço sobre incêndios na última década "é francamente negativo", com o país a centrar-se no combate e esquecendo fatores de risco como a desertificação, defende Ricardo Ribeiro, académico, dirigente associativo e comandante de bombeiros.

"A desertificação é um fator de risco crítico que nunca é abordado. Mas há uma relação direta entre a densidade populacional e a área ardida, os grandes incêndios ocorrem em zonas do interior onde houve um êxodo para o litoral", disse à Lusa o responsável, que também é o presidente da Associação Portuguesa de Técnicos de Segurança e Proteção Civil (Asprocivil).

E avisou: o paradigma dos incêndios vai alterar-se dramaticamente, do ponto geográfico e cronológico. É que, esclareceu, com as alterações climáticas, os incêndios vão deixar de ser um problema do verão e vão estender-se também a outras zonas do país, até agora mais poupadas.

Ricardo Ribeiro defendeu recentemente, na Universidade Europeia, em Madrid, uma tese de doutoramento na qual avalia o resultado de dez anos de aplicação do Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios. No estudo de mais de 600 páginas (que admite possa vir a ser publicado), defende como fundamentais, políticas de prevenção e lembra que, em 2013, ardeu em Portugal metade de toda a área consumida pelas chamas na Europa.

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Uma das causas, adianta, é a "precariedade da conservação das matas", aliada ao êxodo rural, à construção de habitações em locais de risco, aos efeitos das alterações climáticas e à negligência das pessoas.

Ricardo Ribeiro propõe que as boas práticas da população seja matéria do sistema de ensino e que deve haver campanhas publicitárias. Os bombeiros devem ter também mais formação e deve criar-se um sistema de incentivos públicos para o ordenamento do território e para limpeza do biocombustível, para a qual deviam ser criadas equipas de intervenção.

Apostar na criação de um mercado ibérico de biocombustível, aprofundar a "atuação punitiva", implementar meios permanentes de combate a fogos a partir de março, criar medidas sociais para pessoas até 50 anos, para combater a desertificação, criar incentivos fiscais para fixação de jovens no campo ou apostar na videovigilância são algumas das propostas de Ricardo Ribeiro.

O responsável defende especificamente que sejam criadas equipas de intervenção idênticas às dos combates a incêndios para que atuem no fim do inverno, a criação de medidas de intervenção e prevenção, e que os terrenos junto de estradas e casas sejam efetivamente limpos.

"Nesta problemática, há a prevenção, a resposta [ao fogo] e a reposição da normalidade. Mas, em Portugal, incide-se especialmente na resposta, esquecendo-se a prevenção e a reposição da floresta", disse Ricardo Ribeiro à Lusa, acrescentando: "Portugal foi o país europeu que menos reflorestou nos últimos 20 anos".

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Nem parece que ardem em média cada ano 150 mil hectares de floresta, ou que, em 2013, ardeu quase meio milhão de hectares, lembrou, acrescentando que, entre 2002 e 2013, morreram, devido aos incêndios, 97 pessoas, 51 delas bombeiros.

E nem assim, disse à Lusa, há mudanças de comportamento ou há um planeamento eficaz, esquecendo os políticos que, quando "fecham um centro de saúde, estão a estimular as pessoas a irem embora".

Os incêndios, como os dos últimos três dias, provocam um prejuízo médio anual "superior a duas centenas de milhões de euros", mais outros 200 milhões em prejuízos ambientais e materiais, disse o responsável.

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