Esta crise económica dos últimos anos a que chamam a "grande recessão" teve efeitos no consumo, mudou-o, deixou de se poder falar naquele termo tão caro aos seus livros de hiperconsumidores?.É preciso ver o que se quer dizer com mudança. Há mudanças em certas formas de consumo, a mais espetacular das quais é o consumo colaborativo do tipo daquelas empresas Airbnb, Uber e assim, o que é novo, mas depois é preciso procurar o sentido. Será que isto significa uma mudança no consumo? Isso creio que não. Creio mesmo que é uma forma de continuação do consumo e vou explicar porquê. Agora, quando alguém aluga um táxi pela Uber, ou usa uma companhia low cost, é para continuar no consumo sob outra forma, mais barata. Mas não creio que as aspirações das pessoas tenham mudado. Encontram, sim, novas formas de aproveitar o consumo mais barato. Não há mudança completa porque a sociedade do hiperconsumo não cessa de criar novas necessidades e novas formas de satisfação..Ou seja, as pessoas continuam a consumir na mesma, na sua opinião..É uma ilusão acreditar que as pessoas recuam no consumo - não é verdade. Diz-se que depois de 2008, da crise do subprime, que as pessoas só iriam consumir de forma muito inteligente e só o que precisassem mesmo. Pois, em 2008 bateram-se recordes de vendas de jogos de vídeo. As pessoas querem continuar a consumir, só o orçamento é menor. O low cost, o consumo colaborativo, é um instrumento de hiperconsumo. As pessoas tornaram-se astuciosas para consumir. Inscrever-se num site para fazer uma viagem a Lisboa, imaginemos, por dez euros, é o que se faz agora. Mas vai na mesma a Lisboa com um serviço mais barato. As pessoas querem aproveitar as coisas. Havia uma ideia, que vinha por exemplo de gente como Guy Debord, de que o consumidor é um bruto que vê a publicidade na televisão e é de tal forma manipulado que vai a correr comprar tudo. Hoje é o inverso que existe: o consumidor é ágil, inteligente, informa-se. Hoje há verdadeiras escolhas quando antes eram muito limitadas: para fazer uma viagem a Nova Iorque havia várias companhias, de facto, mas a diferença era pequena. Agora há escolhas, que dão trabalho a encontrar. E é isso também: o consumidor tornou-se um trabalhador ele próprio. É preciso tempo para encontrar as melhores soluções, as mais baratas. De certa maneira o que mudou foi a ideologia, porque dantes se achava que o consumidor era um irresponsável e afinal não é, informa-se, compara..E não vai parar nunca o consumo? Isso não é possível....Haverá limites, mas ainda não os conhecemos. O consumidor tem limites. A ecologia ajuda a esses limites, a saúde também. A carne é cancerígena? Bom, talvez se ache que estão a exagerar, mas ainda assim fica lá na cabeça, integra-se de alguma forma no pensamento das pessoas. A ideologia hedonista do consumo dá satisfação às pessoas mas tem concorrência de outras normas, estejam descansados. Tudo isto cria uma cultura de consumo menos homogénea, mais problemática, mais reflexiva. O consumo é limitado por normas ecológicas, normas sanitárias, pelos media que dão informação sobre estas coisas, pela economia colaborativa e pelas companhias low cost. O novo fenómeno é esse de que o consumo também é em si um trabalho. Mas de facto as aspirações das pessoas não mudaram. Acha que as pessoas vão viajar menos? Ouça: há mil milhões de pessoas que viajam mas no mundo há seis mil milhões de pessoas e as aspirações são parecidas. Acha que as pessoas vão querer deixar de ver o mundo? Vão passar sem ir às praias? Não acredito. Nunca as pessoas foram tanto aos restaurantes - por muitas razões, porque as mulheres trabalham por exemplo. E ir ao restaurante também é uma forma de consumir e normalmente também é uma forma de satisfação pessoal. Desculpem, mas as pessoas querem continuar a consumir. Não é com sanções morais ou discursos moralistas que vamos mudar isto - eu não acredito nisso. Não vamos mudar a atitude dos homens a fazer sermões. Não vamos lá apelando à consciência - isso pode chegar a alguns mas não chega a milhares de milhões..Ou seja, não é para agora que o consumo se vai limitar....Veja: há estes movimentos a favor do decrescimento económico, há os ecologistas que dão o alarme, mas talvez subestimem a inteligência humana, que sempre procurou resolver problemas. Primeiro: encontraremos novas maneiras de reciclar, desenvolveremos produtos que não devoram tanta energia, claro. Segundo: as coisas materiais, provavelmente, terão um limite, mas as coisas imateriais que limite têm? Vamos consumir menos viaturas - e mesmo isso dependerá - mas vamos ver menos filmes porquê? Vai vê-los no tablet, por exemplo. Os livros pode lê-los no tablet também..Mas há limites para fabricar esses gadgets - as terras raras, a energia....Sim, haverá com certeza, mas haverá mais energias renováveis... Quando vamos tocar nessa linha do fim? Não sabemos. E o que impedirá de criar coisas novas?.Há quem diga que podemos estar a chegar ao tempo de uma nova guerra....Sim, cada vez há mais guerras mas os motivos pelos quais elas existem não são esses... São razões identitárias, são diferenças religiosas....O petróleo, não?.O Estado Islâmico não apareceu por causa do petróleo. Há uma dimensão irracional e passional do homem. Não são os interesses económicos que hoje fazem explodir as guerras - os Estados Unidos hoje têm petróleo e gás de xisto que chegue. É preciso acabar com esse esquema mental de que é tudo por causa do petróleo. Até porque também há conflitos que se vão resolvendo - o do Irão aparentemente está na via certa para ser resolvido. Os conflitos humanos não têm nada que ver com o hiperconsumo - há outras dimensões que governam os domínios internacionais. Temos com certeza muitos problemas ecológicos e haverá problemas com a subida do nível do mar para as populações afetadas, mas não creio que venha a ser o apocalipse. Lembro-me sempre dos maoistas dos anos 1950 e 60 que diziam que havia grandes contradições no capitalismo, já Marx dizia que o capitalismo não podia funcionar e afinal, o que vemos? O capitalismo é que ganha.E de resto, não podemos deixar de acreditar na capacidade dos homens para inovar. E o que é a inovação? Inovar quer dizer que temos de investir na educação, na investigação, no saber. E que limites pode haver para isso? Pelo contrário, temos de investir muito na inteligência porque é daí que podem vir coisas novas. E daí podemos construir uma economia mais sóbria, menos devoradora de energia, com mais reciclagem. Mas insisto: para isso é preciso investir em engenheiros, investigadores. Se há uma solução é a da mobilização da inteligência, do investimento no saber porque isso é essencial para tudo. E não há limites para isso..Para um estudioso das motivações e do consumo, e mesmo sabendo que o professor não está muito ligado ao desporto, o que é que lhe parece alguém como Cristiano Ronaldo, que de alguma forma é um ícone do sucesso, do trabalho e do consumo?.Não, eu não quero diabolizar o consumo, porque trouxe coisas boas também - vivemos até mais tarde, com mais saúde, com novos meios de comunicação - há benefícios do hiperconsumismo. Mas também não faço a apologia do consumismo como algo que traz a felicidade. Claro que consumir não dá infelicidade, mas a felicidade é outra coisa, tem que ver com as qualidades nobres, superiores, do homem: é criação intelectual, ou a criação de uma empresa. Fica-se contente a viajar, é bom, mas orgulhoso só se fica de outras coisas. O consumo não é tudo na vida, é só uma parte da vida. Não é a mais importante, claro, porque quando se fica feliz não é por ter um carro novo, mas eventualmente por encontrar a mulher que se ama, porque se tem filhos, ou no seu caso quando um artigo sai mesmo bem..As ideias que tem divulgado ao longo de 30 anos são a hipermodernidade, o hiperconsumo, a ligeireza do ser humano, a era do vazio - são os títulos dos seus livros. São palavras extremas, ideias extremas, é uma ideia de vida quase incontrolável.......Ah meu caro amigo, a ideia de que podemos controlar isto tudo não é razoável, a competição é mundial, global hoje. Não vamos mudar o consumo e tornar o mundo perfeito. Trabalhemos para que o consumo seja mais responsável mas no tempo da Revolução Francesa não havia consumo e não deixou de haver barbárie..Como europeu, quer dar uma ideia sobre esta crise dos refugiados?.É preciso acolhê-los, mas não é responsável pensar que podem vir todos. Não é razoável. Aceitar a abertura sim, mas uma abertura partilhada, desde logo, porque uma abertura total também poderia dar reações negativas das pessoas. É preciso regular isso. Não há só os direitos do homem em causa, também há dever de assegurar a continuidade, a segurança.