Imaginem, por uns momentos, que o messias do tempo novo chegou a Belém. Não, não no Médio Oriente. Ali ao palácio, mesmo ao lado dos Pastéis..Belém, Lisboa, Portugal, 10 de junho de 2016..Sampaio da Nóvoa, esse mesmo, o autoproclamado messias do novo tempo, espreita o jardim, resguardado atrás da cortina de uma das janelas do Palácio. Nada. Não vê ninguém. Volta para a secretária e, carregando no botão da alta-voz pergunta à secretária: ainda não chegou ninguém?."Sim, senhor Presidente. Já aí estão os conselheiros de Estado, os membros do governo, a câmara de Lisboa, os comunistas, os socialistas de esquerda e os bloquistas... Ahhh, e o prof. Freitas do Amaral!"."Não... não! Não é isso: ainda não chegou o povo?"."O povo?".A secretária não ouvia perguntar pelo povo desde os idos de 75, quando andava na UEC à pancada contra os fascistas de Direito (por acaso estava lá o Costa, lembra-se... E do outro lado da barricada, o estupor, pensa, mordendo o lábio).."Sim, o povo! Os soldados rasos... As pessoas simples e corajosas que me elegeram e que se orgulham da sua terra, fiel ao universalismo cosmopolita que representa o melhor da nossa história e cultura!"."Não, senhor Presidente, ainda não chegou nenhum desses", suspira a secretária enfadada. Ele que lhe venha falar em povo... Logo a ela!."Peça ao chefe da Casa Civil que venha ao meu gabinete. Depressa!".O novo Presidente começara o seu mandato traçando o que considerava serem alterações fundamentais para a vida dos portugueses logo para o primeiro ano. Primeiro, tinha apoiado o referendo ardilosamente lançado na Assembleia da República pela deputada Marisa Matias, que o tinha preso pelas declarações pré-eleitorais. A questão era complicadíssima, afinal. Porque a Constituição não lhe permitia referendar tratados europeus. "Mas por que raio de razão ninguém me disse que não se podia referendar tratados?!?", insurgia-se o Presidente. E não era só a questão da duvidosa legalidade do referendo ao novo programa de assistência, com a sua nova troika, incomodava-o que a população não tivesse saído à rua para o apoiar, antes respondesse nos inquéritos de confiança dos consumidores temer nova recessão. E o pior não era isso: o pior era o Marcelo, agora livre do antigo exclusivo com a TVI, a analisar todos os ângulos do seu referendo, criticando-o em todos os canais. Ele estava em toda a parte. Desmultiplicava-se em monitores de computador e televisões do café do bairro de Nóvoa. "Até no cabo!", comentavam os assustados assessores..O Presidente tinha deixado para outra altura a proposta que a deputada Isabel Moreira lhe tinha feito chegar de referendar o terceiro género. Era uma das novas questões da igualdade que ele prometera defender, sublinhara Isabel Moreira, pérfida, no cartão que lhe mandara junto com o projeto de proposta de lei. Tenho de mandar estudar isso..Depois disso, enfastiado com a falta de apoio ao seu referendo, no discurso do 25 de Abril, convidara o povo a encher os jardins do Palácio de Belém para comemorar o dia de Portugal, das Comunidades e do 25 de Abril (orgulhava-se disso, sim). Tinha sido ele a combinar com o líder do PCP e do Bloco a alteração do nome. Tinham pensado noutras hipóteses, como o Dia de Portugal, dos Cravos e de Camões... (Não lhe agradava voltar a ter lá o Camões. Porque não o Ruy Belo? Ou outro dos muitos e grandes poetas que podiam representar o novo patriotismo, aberto e democrático, ao qual, enquanto candidato, prometera dar corpo.) A maioria dos assessores preferia juntar a palavra Liberdade. Mas o PCP fez birra: tem de ser 25 de Abril. E ficou! Por ele, tudo bem....Toc, toc, toc... Entre!."Oh senhor dr., a cerimónia está marcada para daqui a meia hora e o jardim está deserto!"."Sim, senhor Presidente, mas a Sala das Sessões está cheiíssima, até as varandas estão cheias. Não cabe nem uma agulha!", retorquiu pressuroso o chefe de gabinete.."Mas... E o povo?"."O povo... senhor Presidente? O povo deve estar a chegar... Sabe como é o povo português!"."Mande ver se há gente na rua, a caminho.... Não faço o discurso que preparámos e que dedico ao povo, de propósito para ser lido no jardim, só perante as autoridades e os mesmos de sempre... Nem pense! Eu prometi que isto ia mudar!"."É melhor reconsiderar, senhor Presidente, o povo talvez se atrase... talvez... talvez não esteja interessado. Até talvez não saiba! Há uma grande probabilidade de o povo não ter sabido do seu convite..."."Como, não ter sabido? Se eu convidei o povo no meu discurso do 25 de Abril, na Assembleia! Não se lembra? Estou certo de que o povo sabe quando lhe digo que esta é a nossa hora, a hora de todos os homens e mulheres deste país....Pois, sabe o senhor Presidente que as audiências do canal parlamento e da cobertura das cerimónias do 25 de Abril não têm audiência nenhuma...."Não??" Não...."Ainda por cima, com este dia lindo... acha que o povo não quer vir a Belém?" Pois, senhor Presidente, ainda por cima com este dia lindo...."O sr. chefe de gabinete não sabe do que fala. Este é o novo tempo. E, portanto, temos de procurar novos meios."."Eu prometi aos portugueses um Presidente com causas. Eu disse--lhes que este é um tempo novo... Eu prometi, empenhado, combater a abstenção, e o afastamento entre os cidadãos e os políticos. Mando abrir os portões do Palácio aos portugueses e os portugueses não vêm?! Impensável... Mande toda a gente lá para fora, para o jardim, membros do governo, diplomatas, munícipes, os lambe-botas do costume. Tudo lá fora porque eu vou falar ao povo português e da varanda do Palácio."."Ah, e ponha aí na agenda que temos de arranjar outra forma de ser um Presidente de proximidade.".E, engolindo em seco, sentou-se e pegou no discurso para o adaptar.."Traga-me o povo, senhor chefe de Gabinete! E se ele não quiser, vir, diga-lhe que eu vou lá. Somos todos soldados rasos!", disse entredentes o Comandante Supremo das Forças Armadas..O DN desafiou cinco personalidades para, partindo das declarações públicas dos cinco principais candidatos a Belém, antever como seriam os primeiros seis meses de mandato de cada um deles caso fossem eleitos. Na edição de amanhã, leia o texto de Pedro Marques Lopes sobre Marcelo Rebelo de Sousa.