Em Campo de Ourique, almoçavam dois dirigentes do PSD, Pedro Passos Coelho e Marco António, e o assessor de imprensa, António Valle, na semana que iria acabar na final do Euro, em Paris. Era no discreto O Bem Disposto e quem lhes ouvisse a conversa surpreendia-se. Falavam de cinema..O homem do Norte metia-se por cenas de Voando sobre Um Ninho de Cucos: "(...) ainda no princípio do filme, o Jack Nicholson ameaçou partir a janela com um lavatório, de mármore agarrado ao chão. Com os outros malucos à volta, vocês lembram-se, o filme é num mani-cómio, ele dizia: fugíamos e íamos a um bar ver a final de futebol.".Marco António passeava o garfo pelo cuscuz de vegetais, projetando o filme de memória: "O Nicholson agarrou-se ao mármore, puxou, puxou, mas não conseguiu. Disse para os outros: ao menos tentei." Mais um remoer do garfo pelo cuscuz. "Cena maluca... Só no fim, mais de uma hora depois, já tinham feito uma lobotomia ao Nicholson, estava um vegetal, vemos o amigo, o chefe índio, uma bisarma, a agarrar no mármore, arrancá-lo, partir a janela e fugir. O filme acaba aí.".O assessor tinha o Citizen Kane para a troca: "O filme começa com o milionário dos jornais a balbuciar 'rosebud' e acaba a sabermos que isso era o nome do trenó da infância." O Pedro pesquisava os seus filmes. Contou: "Aconteceu também no Robocop. No início, a gaja que é polícia viu o parceiro de giro a fazer rodar a pistola no indicador e metê-la no coldre. Depois, quando o polícia é morto, fazem com ele o Robocop, mas a companheira só sabe disso quando o vê a girar a pistola e metê-la no coldre...".Por qualquer razão, o trio tinha levado a conversa para uma velha técnica do cinema, o plant/payoff, semear e colher. Inventar uma cena inicial que parece desaparecer, mas que volta a surgir no fim, em força. Todos os filmes de James Bond mostram uma arma esquisita, no início, que só bastante adiante vai ser usada....[destaque:Marco António perguntou: "Vamos assistir à final?" Mas Passos Coelho cortou a hipótese: "Tu, não, parecia logo tramoia."].Passos Coelho, que também comia vegetariano, parou a meio o garfo que levava um pedaço de beringela... Pensava. Disse para o assessor: "António, se formos à final, arranje-me três bilhetes." Marco António perguntou: "Vamos assistir à final?". O líder: "Tu, não, parecia logo tramoia." E Passos, de novo, para o assessor: "Se for preciso meter cunhas, faça, porque já é tarde. Há uma agência que trata disso..." O Marco António disponibilizou-se: "Eu até conheço..." Mas o chefe rejeitou: " O assessor de imprensa trata disso... Atenção, António, faça questão, mas faça mesmo, em pagar os bilhetes.".Logo no dia seguinte à final, o Expresso deu a notícia. Título: "Descubra o Wally: Passos anónimo em Paris." E a foto, no Stade de France - ele, o secretário-geral do partido Matos Rosa e o assessor Valle - entre o povo... embora numa zona de convidados da UEFA. O semear (plant) estava feito..E regado, ainda nesse dia, por Passos, ao ser o único líder de partido a não estar no Palácio de Belém, na festa de homenagem aos campeões. Ele próprio explicou: tinha vindo em voo comercial normal... Isto é, ele era diferente dos outros políticos, os de voos com mordomias. O payoff, a colheita, não tardaria..Ao fim de três semanas e picos, como malagueta semeada, espigando, apareceram notícias sobre ida ao Europeu de três secretários de Estado, pagos pela Galp. O ministro Santos Silva lia o Times, de Londres, quando lhe anunciaram a bronca. Justamente, ele debruçava-se no artigo de Steve Hilton, um antigo diretor assessor de David Cameron..Hilton contava um episódio recente. Na Convenção democrata, um candidato a congressista, Charlie Christ, que já fora governador da Florida, expôs-se aos microfones, no lobby do Ritz de Filadélfia: "Este é o lugar para estar. Devemos encontrar cinco doadores de fundos hoje - aqui é o banco." A impudência é um sintoma, mas o que mina a democracia são "as grandes doações que compram influência", escreveu Hilton..Para solução, ele propunha uma medida pequena e radical: o limite anual de doações políticas devia ser de 1000 libras (1180 euros). Foi essa pequena medida que inspirou Santos Silva a reagir à pequena falta de vergonha dos nossos costumes políticos: um código de conduta resolveria os abusos na aceitação de pequenos favores....Passos sorria, há meses que não tinha uma vitória política. Depois, soube-se que Luís Montenegro e Luís Campos Ferreira também tinham ido nas viagens de grupo até ao Europeu e sem a prudência de se fazer fotografar entre a multidão - saíram chamuscados. Dois correligionários do PSD mas, sobretudo, juntos a um terceiro, Marques Mendes, do grupo dos Luíses. Os três costumam ser recebidos, e almoçar, no Palácio de Belém. "É tão fácil fazer filmes...", suspirou o líder, embevecido consigo próprio..Continua amanhã. Leia os episódios anteriores do Folhetim de Verão:.[artigo:5322608]