Ministro poeta que suspende a rebeldia para ser diplomata

Foi suspenso da universidade por causa da atividade política. Esteve no MES. Depois, virou-se para a diplomacia e a poesia.
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O novo ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, é pouco conhecido dos portugueses. Sendo poeta profissional, não é de admirar esse quase anonimato mesmo que no início do ano tenha lançado mais uma obra a acrescentar a uma lista que já vai longa. Foi apanhado de surpresa com o convite para substituir o ministro João Soares e não quer pronunciar-se ainda sobre o desafio. Mesmo que tenha confessado ontem ao DN que a nova vida já lhe estragara o sono em paz: "Não tenho pensado noutra coisa nas últimas horas." Luís Filipe Castro Mendes, embaixador no Conselho da Europa, em Estrasburgo, confirmou que dormira um pouco menos em paz do que lhe é habitual: "É um desafio muito grande, ao qual procurarei responder à altura e corresponder à confiança que o primeiro-ministro colocou em mim."O novo ministro é um dos consagrados poetas portugueses da atualidade e estava para se reformar em fevereiro de 2017: "Realmente, todos os meus planos de vida foram totalmente mudados. Passava à disponibilidade em fevereiro e teria que regressar nessa altura. Agora, em vez de regressar mais tarde volto imediatamente."

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Recentemente, durante a estada em Portugal para apresentar a sua mais recente obra poética, Outro Ulisses Regressa a Casa, referira em entrevista ao DN o prazer de encontrar os seus leitores fora do círculo onde se move. Não imaginava que pouco mais de um mês após a conversa o seu nome iria ser a resposta que poria fim à polémica que resultou da promessa do ex-ministro João Soares dar "um par de bofetadas" a críticos da sua atuação.

Além de poeta, Castro Mendes é diplomata de carreira. Tem ocupado vários cargos em diversos países desde que deixou Lisboa: "Sou um funcionário do Estado português, não um emigrante ou um exilado." Garante que estar fora do país permitiu-lhe criar "uma distância", mas não perdeu o "conhecimento de um país que mudou". Estava em Estrasburgo aquando do convite, após uma carreira desenvolvida desde 1975 em Luanda, Rio de Janeiro, Madrid e Paris. Nasceu em 1950, em Idanha-a-Nova, e licencia-se em Direito pela Universidade de Lisboa. O seu passado estudantil tem uma forte característica de rebelião: "Fiz associativismo estudantil antes do 25 de Abril e até fui suspenso da universidade." Nos tempos mais quentes de 1974 e 1975 não acalmou: "Situei-me numa área de uma certa esquerda socialista [MES] e militei politicamente algum tempo até entrar na carreira diplomática. Aí, a questão [política] pôs-se muito claramente, independentemente de os diplomatas terem toda a liberdade de pensamento e de filiação partidária. Só não podemos é militar em partidos ou trabalhar politicamente." A partir desse momento, diz: "Sem perder o interesse na política, pela cidadania e intervenção, efetivamente deixei de ter qualquer atividade política partidária."

Ao dar por encerrada a militância política ativa ganha o tempo perdido para a poesia: "Nos anos 80, já no estrangeiro, comecei a escrever algumas coisas." Essas "coisas" existiam em si desde muito cedo: "Aos 15 anos escrevia e o Mário Castrim publica-me uns poemas no Diário de Lisboa Juvenil. Fui um grande leitor, que de Júlio Verne passou logo para a Sophia."

Estando umas vezes mais próximo da poesia e noutros mais afastado, tendo também abraçado a ficção e o ensaio, a obra poética começou a ser construída: o premiado Recados ou Seis Elegias. "Em 1991 sai a A Ilha dos Mortos, que considero o meu livro mais interessante à época", afirma. "O meu trabalho foi tardio e decantado, mas o interesse pela poesia vem de trás, mesmo não sendo um contínuo", explica. Entretanto, após Os Dias Inventados, de 2001, há um vazio até 2011, momento em que regressa à publicação em força: a atração pela mítica Índia em Lendas da Índia e a contestação à atualidade em A Misericórdia dos Mercados. Uma carreira com vários prémios literários: P.E.N. Clube Português de Poesia (1992) e de Novelística (1996), D. Dinis (1994) e António Quadros (2012).

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Se A Misericórdia dos Mercados foi classificada como o seu ponto alto até à obra publicada no início do ano, Outro Ulisses Regressa a Casa, esta tem um título que espelhava as preocupações do seu regresso ao país, numa comparação metafórica ao que acontecera ao protagonista de Homero: "O título é acidental! Depois desta vida de diplomata passada pelo mundo, escrevi alguns poemas que refletiam o voltar a casa, como é o caso do poema inicial. Falo do fascínio pelos lugares estranhos e do imperativo do regresso. Não me quero comparar a Ulisses, o rei de Ítaca, que leva muito tempo a regressar a casa. Sou um soldado do reino de Portugal que regressa a casa naturalmente finda a sua missão."

O convite para o Governo é o único tema que não está em nenhum poema do seu recente livro.

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