Mais do que uma visita oficial. O encontro do católico Marcelo com o Papa

Hoje de manhã no Vaticano, logo ao fim do dia com os reis de Espanha. Presidente da República tem a primeira deslocação
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Marcelo Rebelo de Sousa vai poder verificar se o Papa Francisco é, de facto, a "escolha espetacular" com que, em 2013, o agora Presidente da República saudou Jorge Maria Bergoglio, o arcebispo que veio de Buenos Aires para Roma. É hoje, pelas 10.00, que Marcelo é recebido pelo Papa no Vaticano, naquilo que o recém-empossado Presidente tem explicado como um "reconhecimento perante a entidade que foi a primeira a reconhecer Portugal como estado independente".

Com esta nota, o católico Rebelo de Sousa junta o útil da explicação histórica ao agradável da sua fé, naquela que é a sua primeira deslocação oficial, um sinal que deu logo no discurso inaugural do seu mandato, quando da tomada de posse, na quarta-feira da semana passada, dia 9.

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"Escreveu um herói português do século XIX que "este Reino é obra de soldados". Assim foi, na verdade, desde a fundação de Portugal, atestada em Zamora e reconhecida urbi et orbi pela bula Manifestis probatum est", leu Marcelo Rebelo de Sousa na tribuna da Assembleia da República, referindo-se ao reconhecimento da independência de Portugal e do título de rei a Afonso Henriques pelo papa Alexandre III, em 1179.

O anfitrião é alguém em que Marcelo depositou muitas esperanças logo a abrir, quando da eleição de Bergoglio como bispo de Roma, a 13 de março de 2013 - há três anos, portanto. "Temos Papa. E, para mim, é uma escolha espetacular", classificou no dia seguinte o professor universitário, chamado pela agência Lusa a comentar a escolha do colégio cardina- lício. Para completar: "Aceitaria qualquer escolha, como católico, mas esta é, praticamente, a escolha ideal. Faz-me lembrar os tempos do Concílio Vaticano II, [com] um toque de João XXIII, há alguma coisa da serenidade de Paulo VI, a Igreja serva e pobre, a colegialidade", descreveu então.

O novo Chefe do Estado português olhava na altura para o novo chefe do Estado do Vaticano entre o espanto e o elogio. "Fala como bispo de Roma e não se impõe como papa, de forma chocante ou despropositada", dizia. "Os sinais da sua vida e os sinais daquilo que defendeu e das primeiras palavras são todos espetaculares", insistia. Na cabeça de todos, estava fresca a imagem de um homem que surgiu na janela de São Pedro vestido de branco e despojado das vestes triunfais e ricas que os papas usam quando assomavam à multidão no dia do fumo branco.

Marcelo antecipava um pontificado em que o arcebispo que veio "quase do fim do mundo" para ser bispo de Roma iria tentar "pôr a cúria romana um pouco mais na ordem, acentuar o lado pobre, de serviço e humildade da Igreja, acentuar a colegialidade, ter um acento tónico nos problemas do desenvolvimento e da pobreza no chamado terceiro mundo e, em geral, no mundo". Rebelo de Sousa sintetizava com um "tudo boas notícias". E completava: "Há um mundo que fica para além da Europa e que tem um papel cada vez mais importante. Ser pela primeira vez um papa do novo mundo é realmente uma coisa importante."

O Papa como exemplo

Três anos depois do início do pontificado de Francisco, Marcelo revê-se, vai-se revendo, naquilo que chega de Roma. Na noite eleitoral de vitória, a 24 de janeiro, na sua Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o agora Presidente da República prometia que em Belém também iria dar uma atenção preferencial (uma palavra bebida na doutrina social da Igreja) aos mais carenciados, "os que vivem nas periferias da sociedade, de que fala o Papa Francisco".

Esta opção preferencial pelos pobres já teve tradução no discurso do Presidente, de novo na sua tomada de posse, quando se referiu à necessidade de responder ao respeito da dignidade humana, inscrito na Constituição, "de pessoas de carne e osso". Estas pessoas "têm direito a serem livres, mas têm igual direito a uma sociedade em que não haja, de modo dramaticamente persistente, dois milhões de pobres, mais de meio milhão em risco de pobreza, e, ainda, chocantes diferenças entre grupos, regiões e classes sociais".

A ida ao Vaticano, esta manhã, não se fica pela audiência com o Papa. Marcelo vai manter também um encontro com o secretário de Estado da Santa Sé, o cardeal Pietro Parolin, e ainda fará uma breve visita à Capela Sistina. O Presidente da República vai renovar os convites do anterior Chefe do Estado Cavaco Silva e do então vice-primeiro-ministro Paulo Portas, que, há pouco mais de um ano, insistiram junto do Papa para uma visita de Francisco a Portugal em 2017, ano em que a Igreja comemora os 100 anos dos acontecimentos de Fátima.

Como assinalou o próprio Rebelo de Sousa, numa mensagem enviada ao Papa, para o felicitar pelo terceiro ano do seu pontificado, a sua eleição "representou um marco para a Igreja e para o mundo, assinalando a escolha do primeiro pontífice não europeu em muitos séculos de história". E três anos passados, o elogio renova-se: "Pela palavra e pelo exemplo, ao longo dos últimos três anos tem Sua Santidade levado a todos os continentes a mensagem cristã e os princípios éticos que a fundamentam, assentes na dignidade da pessoa humana, na justiça social e no respeito pelos nossos semelhantes, crentes e não crentes."

Em novembro passado, Marcelo disse de Deus que é a "razão de ser da vida", concretizado "através dos outros", "um imperativo" que vem da sua condição de crente. A viagem de hoje não será por isso apenas uma viagem oficial - e mesmo que o Presidente justifique com a história a razão de ser da visita, percebe-se que há outra razão mais funda.

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