Licenciou-se na Universidade Autónoma de Lisboa, dá aulas na UAL e no ISCSP, fez o mestrado no ISCTE. Apanhamo-lo no dia dos seus 54 anos à saída da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, no Congresso de Ciência Política onde apresenta a sua tese. É neste meio académico que se movimenta agora António José Seguro, onde se "sente bem", como garante. E é a tese transformada em livro sobre A Reforma do Parlamento Português, que coordenou em 2007, o pretexto para esta entrevista, a primeira que dá desde que deixou a liderança do PS em setembro de 2014. Fora da agenda está o regresso à vida partidária. A investigação é também uma forma de participação política, diz..O que é que mudou no Parlamento desde a reforma que coordenou em 2007?.Aumentou, claramente, o controlo político dos governos. Muito à base de um maior número de vezes que o primeiro-ministro vai a plenário e que os membros do governo vão às comissões. Houve uma mudança radical. Simultaneamente, o número de perguntas escritas respondidas e em menos tempo também ajudaram ao aumento desse controlo..Como observador participante, a sua perceção é que, de facto, o Parlamento está melhor?.Na função de controlo político não tenho dúvida absolutamente nenhuma de que o Parlamento está melhor com a aplicação da reforma. Já não diria o mesmo - apesar de não fazer parte do meu estudo - em relação à função legislativa. Os dados empíricos dizem-nos que há um Parlamento em que as iniciativas de resoluções são muito semelhantes, em número, às legislativas. E as resoluções só fazem recomendações..Faz uma leitura crítica das maiorias absolutas e levanta a questão se há controlo político efetivo quando há maiorias absolutas..Exatamente. As maiorias tendem a proteger-se e, por definição, não se controlam a elas próprias. O que não quer dizer que, de quando em quando, não haja um deputado da maioria que diverge, mas estamos a falar da exceção, não da regra. Por isso é necessário que as oposições, sobretudo quando estão em minoria, disponham de instrumentos que não careçam de autorização ou consentimento das maiorias. Daí a necessidade dos [agendamentos] obrigatórios e a necessidade dos potestativos. Como é que tudo isto funciona em termos da eficiência e eficácia depende já da qualidade do pessoal político. A gestão das maiorias absolutas pode conduzir à tirania da maioria. Por exemplo, na revisão [de 1988] do regimento, houve reforço dos poderes da maioria..São duas maiorias: a de Cavaco Silva (1988) e a de Sócrates (2007). O comportamento de cada uma das maiorias foi distinto?.Os resultados são claramente distintos. Isto é, na primeira há um reforço do poder da maioria, portanto, desse absolutismo parlamentar, se é que se pode falar assim, ou da maioria; e, no segundo, há um reforço dos poderes da minoria, abdicando a maioria de poderes como esse poder de veto para impedir a ida de um membro do seu governo ao Parlamento..Já o conhecemos mais entusiasta das maiorias absolutas....Não. As maiorias absolutas têm uma vantagem porque contribuem para a estabilidade governativa. Essa vantagem tem de ser calibrada e equilibrada com um princípio, que é matricial das democracias: todos os poderes precisam de escrutínio democrático. E é neste equilíbrio que as coisas têm de ser desenvolvidas. Em 2007, como parlamentar - portanto, na outra encarnação [e ri-se] -, o que fizemos [na reforma]? Criámos direitos potestativos e obrigatórios, [sem estar] dependente de nenhuma maioria. Agora, é necessário ir mais além, trabalhar na qualidade do processo, no tipo de perguntas que são feitas, de respostas dadas e do debate parlamentar..Depois da reforma, é a ida do primeiro-ministro ao Parlamento que acaba por fazer aumentar a representação do governo?.Há um aumento da presença do governo em plenário essencialmente à custa do primeiro-ministro....Nos debates quinzenais..Sim. E da presença dos membros do governo, designadamente por efeito dos debates de atualidade. Isso é evidente: o debate com o primeiro-ministro [em plenário] ganhou, de facto, um relevo, quer parlamentar quer público, muito grande..Há uma crítica a esse modelo: a de que o debate ao passar de mensal para quinzenal trouxe conflitualidade à relação entre governo e oposição. A frequência leva a arranjar-se artificialmente um confronto para marcar o debate?.A crispação parlamentar não tem que ver com a periodicidade da ida do primeiro-ministro. Mesmo quando não havia periodicidade, havia enorme crispação. As relações democráticas, que se querem boas e saudáveis entre o governo e as oposições, a meu ver, dependem menos dessa exigência e muito mais da qualidade da relação que os primeiros-ministros querem manter com a oposição. Não remetia para as regras mas para uma determinada cultura parlamentar de que quem não grita não é forte, quem não esfaqueia não tem coragem e quem não derruba o outro acaba por não merecer os galões de líder. O que se pretende é, essencialmente, obter informação, esclarecimento. E, aí, há um caminho muito grande a fazer, do lado dos governos, do lado dos parlamentares..Eventuais consensos não falham por esse instrumento obrigar o primeiro-ministro a, constantemente, prestar contas à oposição?.Não, absolutamente. Mesmo antes de haver exigência de regularidade - e nem estou a falar da quinzenal; já só falo da mensal, a partir de 2003 -, já havia enorme crispação. Lembro-me dos tempos do professor Cavaco Silva. Só que o Parlamento teve de fazer uma opção e fê-la em 2007: se quer que o debate lhe passe ao lado e seja feito exclusivamente na comunicação social e num espaço público ou se quer ser o centro do debate político. E aquilo que o Parlamento ganhou foi essa centralidade. Uma das medidas que mais contribuíram para a centralidade é a ida do primeiro-ministro quinzenalmente. Esse é o debate, por excelência, no Parlamento..Até que ponto é que uma maioria absoluta de dois ou mais partidos acaba por se autovigiar mais do que a de um único partido?.Isso acontece, mas mais nos bastidores. De vez em quando há uma brecha, e diz-se: "Houve desentendimento"; "não bateram palmas"; "houve duas iniciativas" ou "têm posições diferentes". Mas esse controlo acaba por ser mais dentro das casas, neste caso, da coligação..Está-se sempre à espera de uma falha nos partidos que apoiam o governo. Valoriza-se pouco o debate, as opiniões diferentes..A visão clubística aplicada à política geralmente dá asneira. Tendo nós 42 anos de regime democrático, fizemos um grande percurso mas a nossa democracia precisa de aperfeiçoamentos. Desse ponto de vista, dir--lhe-ia que a minha tendência é para lhe dar uma resposta positiva. A divergência é normal em democracia, e mostrá-la, ligar as luzes todas e dizer "há aqui divergências, assumimos, e vamos resolver", fortalece a democracia. Mas tem sido entendido como um enfraquecimento da democracia e um sinal de debilidade e de incapacidade de as pessoas se entenderem. Este "tem sido" não se aplica à conjuntura atual - estou a falar desde o início do processo democrático em Portugal....Até que ponto o Presidente da República ajuda ou condiciona, também, o controlo político do trabalho do Parlamento?.No nosso sistema de governo, o Presidente emerge sempre que não existem maiorias absolutas no Parlamento e submerge cada vez que existem maiorias absolutas, exceto em situações de crise dessa maioria..Como em 2013..Exatamente. Portanto, há crise, há Presidente; não há crise, o Presidente pode ir fazer outras coisas. É o que tem demonstrado o funcionamento do nosso sistema de governo e é aquilo que eu estou convencido de que continuará a demonstrar..E o perfil do Presidente também ajuda a esse controlo político?.Olhando para o passado, eu diria que ao perfil se junta a oportunidade política....Neste tempo, alguém se pode dar ao luxo de se dispensar de ter uma participação ativa na vida política?.Eu acho que ninguém se pode dar ao luxo de dispensar a sua intervenção, mas cada um escolhe os termos e a intensidade dessa intervenção. Eu, por exemplo, fui um cidadão com uma intensidade de intervenção enormíssima nos últimos anos - até há um ano e meio - a todos os níveis. Outros cidadãos têm uma intervenção muito mais pequena e eu, neste momento, tenho a intervenção que gosto de ter, que me sinto bem a ter, que entendo que devo ter. E aqui está este pequenino contributo, e humilde, através desta investigação..Há vida política para lá da vida partidária..Há muita vida política para lá da vida partidária e há muita vida para além da política ativa. Há momentos na vida em que cada um decide o que quer fazer. Outras vezes, não tem condições para decidir: tem mesmo de avançar, em função de compromissos assumidos. No meu caso concreto, que a sua pergunta intima [risos], é muito simples: sou uma pessoa livre, não tenho dependências de ninguém; sou feliz, sinto-me muito bem a fazer o que estou a fazer. Isso não implica que, quando entenda dar contributos cívicos, que não o possa fazer, como é o caso. Ou debater estes temas. Sempre com o propósito de fazer a pedagogia da importância do Parlamento, de nenhum poder deixar de ter controlo político, em democracia, e de chamar a atenção que estas questões são muito importantes, porque, sem controlo, os governos andam à solta; e com controlo têm de prestar contas. Prestar contas, em democracia, não é coisa que se faz de quatro em quatro anos, faz-se permanentemente. Temos de melhorar os nossos hábitos democráticos e, desse ponto de vista, não posso estar mais contente com a vida que levo e com o que estou a fazer.