A criação de um código de conduta ou ética para agentes da administração pública tem sido debatida publicamente, mas nunca passou disso mesmo. Em 2012, a então ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz chegou a divulgar essa intenção do governo, na qual atése estabelecia um teto máximo de 150 euros para as prendas que os agentes públicos podiam receber. O diploma foi preparado pelo Ministério da Justiça, foram pedidos pareceres, mas nunca foi aprovado em Conselho de Ministros. Numa resposta ao jornal Público, em 2013, o gabinete de Teixeira da Cruz dizia que as normas do tal código foram diluídas pelo novo Código do Procedimento Administrativo. Mas não foram..O que acabou por acontecer foi uma revisão, em 2014, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, diploma que previa como motivo para a instauração de um processo disciplicar a aceitação de "direta ou indiretamente" de "dádivas, gratificações", ainda que "sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou procedimento". Ou seja, se Fernando Rocha Andrade fosse, por exemplo, diretor-geral e não secretário de Estado, estaria sujeito a um processo disciplinar, que o poderia afastar da função pública..Em 2012, o PS também entrou na questão dos códigos de ética, chegando a apresentar no Parlamento um projeto de lei para criar um "quadro de referência para a elaboração dos códigos de conduta e de ética para a prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas". Este diploma - que acabou por caducar em outubro do ano passado - previa que, depois de entrar em vigor, a lei se aplicaria aos órgãos gerais do Estado e Regiões Autónomas, sendo que, no caso da Madeira, também se aplicaria aos gabinetes dos vice-presidentes e secretário-geral da respetiva Assembleia Legislativa..Este órgão, em resposta, considerou este detalhe do projeto de lei como "indigno, ultrajante e insultuoso", já que só alargava o âmbito da aplicação aos vices e secretário-geral para a Madeira, deixando de fora os congéneres dos Açores, como se estes fossem "aprioristicamente" considerados mais éticos, referiu o parlamento da Madeira..O anúncio da aprovação pelo governo, ainda este verão, de um código de conduta para governantes e altos funcionários públicos foi a maneira que o executivo encontrou para, através do ministro dos Negócios Estrangeiros, declarar este caso "encerrado"..Três secretários de Estado - Fernando Rocha Andrade (Assuntos Fiscais), João Vasconcelos (Indústria) e Jorge Costa Oliveira (Internacionalização) - estão desde quarta-feira debaixo de fogo depois de ter sido noticiado que foram a França ver jogos da seleção portuguesa de futebol a convite da Galp. O CDS pediu a sua demissão e o mesmo defendeu o constitucionalista Jorge Miranda..O caso mais delicado - e o primeiro a ser noticiado, pela revista Sábado, anteontem - é o de Rocha Andrade, já que a Galp tem contenciosos fiscais de cem milhões com a Autoridade Tributária, sob tutela do secretário de Estado..Para pôr água na fervura, o compromisso foi o de reembolsar a empresa dos gastos feitos nessas viagens . "O pagamento dissipa qualquer dúvida", afirmou Augusto Santos Silva, acrescentando que o convite da Galp foi "uma iniciativa de mobilização de apoio público" à equipa portuguesa e foi nesse contexto que os três secretários de Estado viajaram, bem como "dezenas e dezenas de personalidades"..A polémica caiu mal nos partidos que apoiam o governo do PS. Jorge Pires, membro da Comissão Política do PCP, falou em "atitude criticável" e Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, disse que é "eticamente reprovável qualquer conduta de agentes públicos que legitime a ideia de promiscuidade" entre negócios e política..Marcelo distancia-se.Face ao caso, o governo promete um código de conduta que terá uma norma "taxativa" sobre a aceitação de ofertas. A lei diz que o político que aceite uma "vantagem patrimonial ou não patrimonial que não lhe seja devida" pode ser punido com uma pena de prisão de um a cinco anos. Considera no entanto que não são puníveis "as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes". O MP está a "recolher elementos" para perceber se há "procedimentos a desencadear"..No Brasil, o Presidente da República recusou comentar o caso em concreto. Mas "em abstrato" disse que a sua conduta tem sido marcada pela preocupação "com uma ideia que também preocupa os portugueses, que é a ideia da transparência, que é a ideia da contenção dos gastos públicos, que é a ideia de não confusão entre poder económico e poder político".