Elogiado por alguns, visto com surpresa e expectativa por outros, a unanimidade em torno do novo ministro da Cultura passa por uma falha que todos apontam ao setor: definição de uma política pública para a área. Para além, claro, da sempre tão falada escassez de dinheiro. Partidos políticos e agentes culturais avançam com uma extensa lista de dossiês que esperam Luís Filipe Castro Mendes no seu gabinete no Palácio da Ajuda.."O primeiro-ministro foi buscar uma pessoa com um perfil muito diferente do de João Soares. Depois destes meses de permanente conflito, convinha um ministro mais diplomata. E foi de facto um diplomata que António Costa foi buscar. Ao escolher uma pessoa com um perfil tão diferente, reconhece um erro no casting inicial", defende Teresa Caeiro. "Agora vamos ver como é o embaixador Luís Filipe Castro Mendes como ministro da Cultura, porque os ministros veem-se pelos seus atos", adianta a deputada do CDS..Relembrando "a diminuição real de dois milhões de euros do orçamento de Estado do PS para a cultura", elenca alguns assuntos que considera mais urgentes aos quais Castro Mendes terá de dedicar a sua atenção: "a situação dos teatros municipais, o apoio à criação artística e a diminuição de verbas a que se tem assistido na Direção-Geral das Artes, a requalificação do património e a sucessão na OPART"..Com o PSD a optar por não se pronunciar, à esquerda tanto Bloco como PCP apontaram para a necessidade de uma política para o sector. Catarina Martins, porta-voz do BE, reconhece que "é um nome respeitado, mas o que interessa é o concreto das políticas públicas para a cultura que Portugal não tem tido e precisa ter", alertando ainda que "será preciso fazer muito para estar à altura do que o país precisa neste momento". No mesmo sentido vai a reação do PCP. João Cordeiro, que, em declarações à Lusa, afirmou que "aquilo, sobretudo, que queremos relevar é a necessidade de, seja qual for o titular da pasta da Cultura, poder haver uma resposta ao conjunto de problemas que afetam todo o setor de que estamos a falar, que foi conduzido ao longo de anos e particularmente nos últimos quatro anos a um subfinanciamento crónico, que prejudica a criação cultural, que prejudica a proteção do nosso património, que deixa sem resposta milhares de produtores"..Da Presidência da República, que ontem, no site, deu a notícia da nomeação de Castro Mendes, veio o elogio mais rasgado ao novo membro do governo que toma posse na quinta-feira: "É um grande poeta, um grande ensaísta, é uma grande figura da Cultura portuguesa, além de ser um magnífico embaixador", disse Marcelo Rebelo de Sousa, no final das comemorações dos 140 anos da Caixa Geral de Depósitos..Expectativas dos agentes culturais.Para Tiago Rodrigues, as necessidades para a área do teatro estão inventariadas: "Há uma falta de financiamento muito grande, sobretudo no que toca a produções e companhias independentes." E o diretor do Teatro Nacional D. Maria II aponta a razão: "Nos último anos, a descapitalização da Direção-Geral das Artes e a sua capacidade de abertura de concursos dentro dos prazos tem fragilizado a produção independente." Uma questão que, a ser resolvida, "seria um fator de fertilização e incentivo à produção artística, não só nas grandes cidades mas por todo o país".."Dialogar com as autarquias, no sentido de criar cada vez mais estímulos para que os teatros municipais, ferramentas de combate ao acesso à cultura, funcionem em pleno", é outras das linhas de atuação que Tiago Rodrigues destaca. Quanto ao próprio Teatro Nacional D. Maria II, diz aguardar "com expectativa contactar com o novo titular da Cultura para partilhar o projeto que estamos a desenvolver, mostrar os obstáculos que encontrámos e a esperança que temos no futuro". Um futuro que, defende, deveria passar pela adoção de contratos-programa, "para pensar o teatro a médio e longo prazo e não estar constantemente refém do próximo orçamento de Estado"..Margarida Gil, presidente da Associação Portuguesa de Realizadores, começa por fazer uma declaração de interesses - "é meu amigo" -, para logo de seguida continuar dizendo que "é uma boa escolha". Para a área do cinema, espera que lute "pela articulação entre o serviço público de televisão e a divulgação do cinema português, que já é reconhecido lá fora, mas em Portugal não consegue captar público". Uma articulação que, considera, deverá passar também por uma estreita ligação com o Ministério da Educação. Falando na cordialidade que reconhece ao Castro Mendes, diz esperar que "a essa gentileza se alie firmeza na recusa de clientelismos"..Maria de Magalhães Ramalho, presidente do ICOMOS, elege o reforço dos meios humanos da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) como uma medida urgente numa área, a do património, "que tem grandes fragilidades". Para além de também referir os constrangimentos financeiros, Maria de Magalhães Ramalho alerta: "A DGPC está a funcionar com um corpo técnico muito reduzido. Ou há um reforço ou é impossível fazer mais. Estamos numa situação limite, à beira da rutura"..João Neto, presidente da Associação Portuguesa de Museus (APOM), confessa que ficou surpreendido com esta escolha do primeiro-ministro António Costa e adianta que está "preocupado porque continuamos a ter esta situação de ter pessoas sem uma visão global da cultura como responsáveis pela área". "Com a exceção de alguns ministros, esta tem sido uma situação recorrente nos últimos anos. Nomeiam-se pessoas, alguns não passam de caixas que são abertas na esperança que consigam resolver o que os primeiros-ministros e os ministros das finanças não conseguem resolver". João Neto não poupa as críticas: "a Cultura não passa apenas pela língua portuguesa e pela literatura e não pode continuar a ser vista apenas como um belo quadro ou uma bela poesia". Sobre a nomeação do até agora embaixador Castro Mendes, diz julgar "que é uma solução de recurso". Quanto às matérias mais urgentes, para além da falta de financiamento dos museus sob a tutela direta do ministério da Cultura, alerta para "a necessidade de articular as atividades entre os museus, independentemente de serem tutelados pelo Estado central, pelas autarquias ou por privados, a necessidade de existir uma outra visão ligada ao mecenato e ainda a falta de formação nos diretores de museus que devem aliar a museologia à gestão"..Para além de relembrar a proposta da APOM de criação do Cartão Cultura, João Neto aponta o dedo a todos os partidos com assento parlamentar: "é preciso que os partidos tenham pessoas competentes nesta área e políticas culturais e do património, que só surgem na altura das eleições". "A Cultura é a nossa identidade, não pode ser tratada como tem vindo a ser tratada", avisa..Profissionais pedem reunião."Mais do que a saída ou entrada de um ministro, importa saber qual a política [do Governo para a área] e que o primeiro-ministro defina a estratégia para a Cultura" e para a criação artística, disse à Lusa Carlos Costa, elemento da direção da Plateia, Associação de Profissionais das Artes Cénicas..Em comentário à escolha do embaixador e poeta Luís Filipe Castro Mendes para ministro da Cultura, em substituição de João Soares, o representante da Plateia apontou igualmente a importância de saber "como vai o Governo sustentar as suas opções estratégicas, em termos orçamentais"..Outra preocupação da Plateia é perceber qual a posição que Portugal vai assumir na definição das prioridades europeias na cultura para o período 2020/2030. Trata-se de "perceber em que medida o Governo socialista com apoio da esquerda se distingue ou não do governo PSD/CDS", apontou ainda Carlos Costa..Embora reconhecendo a importância do papel do ministro, o responsável da associação referiu ser decisivo saber se a Direção-Geral das Artes vai ter os recursos humanos e financeiros necessários para desempenhar a sua tarefa..Tal como o CENA - Sindicato dos Músicos, dos Profissionais do Espetáculo e do Audiovisual, também a Plateia transmitiu a expectativa de ter uma resposta positiva ao pedido de reunião com o ministro da Cultura, já dirigido ao anterior governante, mas não concretizado, para que "seja ouvida a opinião do setor" e transmitido o seu contributo para a definição da referida estratégia..Em declarações à agência Lusa acerca da escolha para o novo ministro da Cultura, o presidente do CENA, André Albuquerque, referiu que será pedida uma reunião ao novo ministro tal como sucedeu com o anterior, João Soares, encontro que, no entanto, não veio a realizar-se. André Albuquerque espera que o novo ministro da Cultura receba "o mais rapidamente possível" a estrutura para analisar assuntos como a nova regulamentação daquelas profissões.