Era uma vez um rapaz. O cientista que teve entradas de leão na educação

A semana que termina manteve o ministro da Educação sob fogo. A contestação dos colégios privados subiu de tom depois de terem tido conhecimento da lista de escolas que não iriam poder abrir turmas de início de ciclo.
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António Costa e Tiago Brandão Rodrigues sentaram-se e ficaram à conversa - um ouviu mais do que o outro: o primeiro era candidato às eleições primárias socialistas, o segundo era um cientista que trabalhava em Cambridge, com um trabalho de investigação que chamava a atenção dos seus pares e da comunicação social.

Estávamos em Paredes de Coura, a 20 de agosto de 2014, e antes de uma edição do festival de música da vila do Alto Minho, de onde é natural Tiago, Costa assistiu à conferência Courage to Think, que refletia sobre os festivais.

O socialista ficou à conversa, que foi - contaria Tiago ao jornal i - "franca, amável, próxima e, em certos aspetos, dura". Deixaram sementes as palavras trocadas: um ano depois, juntavam-se de novo em Paredes de Coura, como candidatos, depois de Brandão Rodrigues ter aceitado encabeçar a lista de deputados do PS em Viana do Castelo, numa outra conversa no Rato. A mãe do cientista que largara Cambridge ouviu do líder socialista um "desculpe esta invasão". Maria José Brandão, professora, então com "52 anos de idade, 32 de serviço", como contava a reportagem da Sábado, acolhia numa pausa na agenda da pré-campanha eleitoral intensa a comitiva que acompanhava Costa.

Costa tinha apresentado a 10 de julho de 2015 alguns dos nomes para cabeças de lista do PS. Entre eles estava o rapaz de Coura, que tinha deixado para trás a carreira prometedora na universidade britânica - dedicada à investigação de deteção precoce do cancro. A mãe digeria a mudança "radical" na vida do filho, a saída do "Real Madrid da ciência", como classificou Cambridge, para ir para um campo difícil.

Em agosto passado explicava ao DN "o imperativo de dizer "presente" e o de "cidadania". "Por muito que me sentisse bem lá, existe e existia em mim uma inquietação enorme relativamente ao que acontece." Demorou uns dias a aceitar. Agora aponta para outro horizonte. "É muito bom sinal, e relevante, que o que fiz enquanto cientista tenha estado recheado de simpatias e consensos. Porém, poder gerar, agora na política, um futuro na Educação "com senso" é o que verdadeiramente importa, com "o mesmo empenho, dedicação e compromisso", disse ao DN.

A pronúncia não engana. Na última quinta-feira, no debate no Parlamento sobre educação, abriu bem a primeira vogal quando disse a palavra "maior" - é do Norte, alto-minhoto que nasceu em Braga, a 3 de junho de 1977. Já viveu em Espanha e nos Estados Unidos, passou por Coimbra, onde se licenciou e doutorou em Bioquímica, e é o ministro de quem se fala.

Na campanha, Costa sentia o peso da escolha e avançava com um argumento muito pessoal para ganhar as eleições: tinha convidado pessoalmente Alexandre Quintanilha (outro cientista, que se jubilou dias antes do convite para a lista do Porto) e Brandão Rodrigues, um peso muito grande, como dizia o líder do PS, sobretudo para o mais jovem, por o ter desviado de uma carreira exemplar. "Se perder, está a ver a responsabilidade que é?", dizia. O PS perdeu, mas a história fez-se e Costa chamou Tiago para o governo.

Quintanilha recordou ao DN que só o conheceu no início dessa aventura. "Nunca tinha tido nenhum contacto com ele, como nunca acompanhei a sua trajetória científica - é uma área diferente da minha", explicou. Com outro novato, Manuel Caldeira Cabral, candidato por Braga, organizaram uns encontros para ouvir gentes ligadas às escolas, e aí conheceu melhor Tiago. "Sempre achei que tem uma característica muito importante: paixão. Aquilo em que acredita, em que gosta de apostar, é por um sonho, por uma paixão. Apesar disso não deixa de ser realista em relação ao que é possível fazer."

"A falta de experiência combate-se ouvindo, aprendendo, trabalhando, comprometendo-nos e deixando para trás essa condição", disse de si Tiago, na entrevista ao i. Outra quase recém-chegada à política e um dos rostos da oposição ao ministro, Ana Rita Bessa, do CDS, registou estes "seis meses intensos", para apontar as "entradas de leão" de Tiago: "É um bocadinho afoito entrar numa pasta como a Educação, num contexto político como este, e achar que vai revolucionar a avaliação." E soma mais críticas. "Existe do ponto de vista da atuação política, para mim, uma impreparação que às vezes degenera nalguma arrogância."

Ana Rita Bessa também não o conhecia, mas reconhece-lhe o humor que quebra a tensão "fora das arenas do Parlamento". "Temos uma relação cordial e simpática", comungam de amigos que passaram pelos jesuítas. Brandão Rodrigues não é católico, mas nos seus tempos de estudante era presença assídua no Centro Universitário Manuel da Nóbrega, orientado por jesuítas, em Coimbra.

É um animal social, conta muitas anedotas, nunca bebe álcool e lembra-se das pessoas, onde as encontrou, quem são. Também esteve agora na berlinda por causa da sua vida académica, por um alegado uso indevido de verbas de uma bolsa de estudo em 2002. A Fundação para a Ciência e Tecnologia já na altura, perante a denúncia, concluiu "não haver qualquer indício de ilegalidade". Luís Martinho do Rosário, então presidente do departamento de Bioquímica da Faculdade de Ciências e Tecnologia, disse ao DN que "se o Tiago tivesse sido um estudante normal, seguramente passados 14/15 anos não me recordaria destas ocorrências", "um facto cheio de coisa nenhuma". E não poupou nas palavras: "Era um estudante brilhante, cientificamente, intelectualmente", apontando-lhe a "generosidade".

O professor confessou que ficou surpreendido com a chegada de Tiago à política -"estava a desenvolver uma carreira de investigação brilhante", mas por outro lado era algo esperado. "Tinha um interesse genuíno em colaborar com outros, social e politicamente."

O empenho vem de longe. Jogou andebol em Caminha, praticou karaté, foi viver sozinho para Braga para estudar aos 14 anos, é um pequeno google de desporto e, quando estava em Londres, envolveu-se nos Jogos Olímpicos de 2012, onde foi adido da comitiva portuguesa. Viveu na aldeia olímpica durante um mês e valeu-se dos tempos em que conheceu as "repúblicas" de Coimbra. Hoje tutela o Desporto, onde também já teve um dissabor, com a demissão do secretário de Estado João Wengorovius Meneses, por eventuais interferências em nomeações.

À paixão da rádio, que fez na Rádio Universidade de Coimbra, soma-se outra, a da música. Ouve Sérgio Godinho a toda a hora - ofereceram-lhe em adolescente Era Uma Vez Um Rapaz em vinil e o álbum ao vivo de José Afonso. Há tempos, de visita ao Conservatório de Coimbra, interpelou o diretor, Manuel Rocha, que é também músico da Brigada Victor Jara, para lhe dizer que tinha comprado duas caixas com a discografia do grupo.

No terreno, Manuel Rocha notou-lhe a disponibilidade. "Quis cumprimentar os professores. É muito atento, também no trato." O ministro mandou avisar que não era possível estar à hora marcada, se não era possível antecipar. "Podia ter mandado alguém do gabinete, mas não o fez. Não estamos habituados a tanto cuidado pessoal", rematou.

Um cuidado que António Costa lhe vai dando. "Ele está a fazer um trabalho que não é fácil, felizmente também tem o apoio do primeiro-ministro, e nisso o primeiro-ministro é muito claro", concluiu Alexandre Quintanilha. Afinal, Costa sente-se responsável.

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