A procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, manifestou a sua preocupação pela eventual possibilidade de os autarcas serem desresponsabilizados financeiramente, numa carta enviada ao presidente da Assembleia da República, a que o DN teve acesso..Na carta datada de 10 de novembro, Joana Marques Vidal manifestou a sua "preocupação quanto à possibilidade de a alteração proposta vir a suscitar interpretações legais contraditórias, face aos princípios jurídicos de transparência e da responsabilidade financeira e criminal que enformam a coerência da arquitetura do sistema vigente"..As propostas de alteração, incluídas no Orçamento do Estado em discussão na especialidade, incidem sobre o regime de fiscalização prévia das autarquias locais e sobre o regime de responsabilidade dos "membros do órgão executivo da câmara municipal"..A preocupação da procuradora-geral da República seguiu para o Palácio de São Bento, depois de, a 8 de novembro, o presidente do Tribunal de Contas (TC), Vítor Caldeira, ter sido ouvido em audição para também deixar esse alerta. E Joana Marques Vidal citou a intervenção do juiz conselheiro perante os deputados para manifestar a sua "inteira concordância com o mesmo"..Vítor Caldeira tinha-se disponibilizado a ir ao Parlamento, numa carta de 28 de outubro, na qual já antecipava preocupações com as alterações propostas, nomeadamente que estas "são suscetíveis de gerar incoerências relativamente ao regime vigente e introduzir discriminações relativas aos responsáveis pela gestão pública", levando mesmo a que possam "ser percebidas como uma forma de reduzir a responsabilidade dos titulares dos órgãos executivos dos municípios"..PSD e PCP com governo.Antes mesmo da audição do Tribunal de Contas, perante as primeiras notícias, o governo reagiu num comunicado em que recusava que essa desresponsabilização pudesse acontecer. Na nota de 29 de outubro, o gabinete do ministro adjunto, Eduardo Cabrita, argumentava que "deixa de ser possível a responsabilidade reintegratória por ato praticado com base em informação técnica dos serviços, afastando designadamente a possibilidade de aplicação de sanções a vereadores sem pelouros por votarem decisões tomadas em reunião de câmara com base em propostas do presidente ou de vereador com pelouro fundamentadas em proposta dos serviços"..Contactado ontem pelo DN, o gabinete de Eduardo Cabrita reiterou o conteúdo do comunicado..Na audição quem saiu em defesa do executivo socialista foi o deputado comunista António Filipe, que recusou um discurso assente em "construções mediáticas e populistas", para afirmar que "é muito injusto dizer que, com esta proposta do governo, se pretende isentar os autarcas de qualquer fiscalização"..Para António Filipe, o que se propõe, no âmbito das alterações no Orçamento, é "verificar aqui quem razoavelmente deve ser responsabilizado". E exemplificou com um vereador que poderia ser obrigado a pagar do seu bolso por uma decisão tomada "de boa-fé" com base em pareceres técnicos. Sem afastar a necessidade de debate, o deputado do PCP defendeu que "tem de se encontrar uma solução, não de desresponsabilização, mas que crie um regime lógico de responsabilização, não soluções injustas"..As propostas introduzidas pelo governo, que foram bem acolhidas pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, tem sido defendida por autarcas do PSD e do PS. O presidente da Câmara de Braga, Ricardo Rio (PSD), notou "que a nova norma determina, equiparando-os justamente a membros do governo, é que não podem os autarcas ser punidos se houver técnicos a fundamentar as opções tomadas"..Os dois partidos com menor expressão autárquica, CDS e BE, estão contra. O bloquista Pedro Soares defendeu que esta proposta "deixaria o TC de mãos atadas em situações de comprovada existência de um ato financeiro ilegal".