Da Ucrânia à China. Duplicam pedidos de asilo político a Portugal

Vêm sobretudo da Ucrânia (368), do Mali, da China e do Paquistão. 54 são menores não acompanhados
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Passaram nove anos desde que Omid Bahrami, natural do Irão, chegou ao Porto, em julho de 2007. Tinha 20 anos e fazia escala numa viagem para Toronto (Canadá) quando o prenderam no posto de fronteira do aeroporto. Estranharam que não falasse francês, embora tivesse passaporte belga. "Foi o destino que me trouxe, 30 minutos antes de chegar não sabia que Portugal existia." Obteve o estatuto de refugiado, trabalhou, estudou e especializou-se em medicina chinesa. Está a terminar a tese em Anestesia com Eletrocupuntura.

Omid é uma das poucas pessoas que pediram o estatuto de refugiado que ficou em Portugal e um caso de sucesso apontado pelo Conselho Português para os Refugiados (CPR), que apoia diretamente estes imigrantes. Em 2015, foram 872 os que nos bateram à porta, mais 97,2% do que em 2014, 442.

Fugiu por "motivos políticos" e mais não explica. "É como uma ferida". Justifica: "Nunca se pergunta porque é que vieste porque se sabe que não se vai responder a verdade. É uma regra entre refugiados, pelo menos do Irão. E é a tua história de vida, algo muito teu."

[destaque:Sucesso. Omid Bahrami fugiu do Irão e chegou a Portugal em 2007, quando os pedidos eram só 200. Ficou e é um caso de sucesso na integração]

A política e/ou conflitos armados são as principais queixas de quem pede proteção internacional. Os que o fizeram no ano passado em Portugal são originários de 52 países, maioritariamente da Ucrânia (368), Mali (86), China (75) e Paquistão (60). Parte são homens (63%) e há 54 menores não acompanhados a pedir asilo, segundo o CPR.

É o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que faz a instrução dos processos e ainda não divulgou a quantas pessoas foi concedido o estatuto de refugiado em 2015. Em 2014, apenas 20 obtiveram asilo (4,5 % dos pedidos apresentados nesse ano) e 91 (20,5%) receberam autorização de residência por razões humanitárias. As autorizações para ficar em Portugal são válidas por um ano, sendo depois renovadas anualmente.

Dez dias transformados em 240

Omid Bahrami é o mais velho de três irmãos e o único a viver fora do Irão. Nasceu em Tabriz, mas cresceu em Rasht, cidade de onde fugiu, deixando a meio o curso de Design Industrial. Fez oito meses de viagem pela Ásia e Europa.

Quando combinou com os passadores a fuga era suposto sair por Bazargan, fronteira a norte do Irão com a Turquia, e aí apanhar o avião para Toronto. Mas os dez dias de viagem previstos transformaram-se em 240. Viveu dois meses em França, país que lhe recusou asilo político, antes de aterrar em Portugal.

[destaque:Em 2014 foram 442 os requerimentos entregues. Vinte pessoas obtiveram asilo]

Estava no Aeroporto Sá Carneiro, em trânsito para o Canadá, quando dois polícias o agarraram. "Lembro-me bem da hora a que levantou o avião que devia apanhar. Custa muito." Levaram-no no dia seguinte para o Centro de Instalação (detenção) Temporária no Porto, onde pediu asilo. Saiu dois meses depois. "Abriram a porta e disseram: "Podes sair"", recorda Omid para perguntar: "Para onde vais numa situação destas?"

Indicaram-lhe o Centro de Acolhimento para Refugiados da Bobadela, em Loures, do CPR, escreveram o nome e a morada num papel, levaram-no ao autocarro. Percebeu que ficava perto da Gare do Oriente, enganou-se. "Não falava português, mostrava o papel e ia perguntando, levei seis ou sete horas a chegar, com a mochila às costas", para percorrer sete quilómetros.

Quando chegou já era noite, deram-lhe uma senha para levantar o jantar num restaurante, o que fez durante uma semana. Depois, passou a receber 30 euros semanais para comprar os alimentos e fazer as refeições. "Não sabia cozinhar, comia ovos, batatas, arroz, é complicado." Trabalhava nas limpezas, cortava o cabelo aos outros refugiados (cinco euros o corte).

O centro é temporário, diz a lei, no máximo quatro meses, mas fica-se por lá mais tempo, sete meses no caso de Omid. Teve depois o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para alugar um quarto. "Fiquei a morar na Bobadela e ia trabalhar para Oeiras, a arrumar os carrinhos do Continente, oito horas de pé, duas horas de viagem para cada lado." Aspirava a uma outra profissão.

Do karaté para a medicina chinesa

Era professor de karaté no Irão e foi treinar para o Clube Atlético de Queluz, ligação que mantém. Um ano depois (2009) dava aulas, o que considera ter sido fundamental para dar a volta à vida. Ganhou prémios, fez estágios, graduou-se.

Lesionou-se num treino e teve de fazer fisioterapia. "Gostei do ambiente e disse-lhes: "Quero fazer o que vocês fazem"." Não podia ir à Embaixada do Irão certificar os estudos, acabou por fazer o 9.º e o 12.º anos no programa Novas Oportunidades. Tirou depois o curso de Técnico de Fisioterapia na Escola de Massagem e Motricidade Aplicada, estagiou na Clínica Dr. Levy e acabou por aí trabalhar dois anos. Em 2011 entrou para a Escola Superior de Medicina Tradicional Chinesa. Falta-lhe entregar a tese para concluir os estudos.

Começou a dar aulas de tai chi na Junta de Freguesia da Falagueira-Venda Nova, o que ainda faz, e aí iniciou as consultas de medicina chinesa. Desde o ano passado tem consultório no Autentic Pilates, em Lisboa. "Gosto de estudar, é algo que me apaixona. Não tinha família, mas consegui, chama-se a isso a guerra da sobrevivência", diz Omid. E pensar que quis desistir de Fisioterapia. "Só não o fiz porque o curso era caro e o CPR já tinha pago." Teve 18 valores.

"O professor de Anatomia viu que eu não percebia o que dizia e passou a explicar-me a matéria em inglês depois da aula, isto nas primeiras três semanas. Se não fosse esse professor talvez o destino fosse outro."

Em 2007 entrou para o RefugiAto, um projeto de teatro criado no centro da Bobadela para a prática do português. "Mas hoje já é uma casa e o grupo uma família. Considero Isabel Galvão [professora do CPR e fundadora do RefugiAto] como a mãe portuguesa, foi quem me fez gostar de Portugal", revela Omid. Entre os palcos em que atuaram estão o Teatro da Trindade e a Gulbenkian, fundação que os apoia financeiramente através do programa Pratis.

Ficará por cá? "Ainda tenho o Canadá à minha espera", brinca. "Mas Portugal é um bom sítio para viver. É muito parecido com o Irão, só que lá não há liberdade. Aqui sabemos o que quer dizer a palavra amizade. Ao mesmo tempo, sinto que tenho de sair para poder crescer mais." Se sair, levará a namorada portuguesa: "É com ela que quero partilhar o resto da vida, aqui ou noutra parte do planeta."

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