Sara Pinto, 16 anos, frequenta o 11.º ano de Humanidades do Colégio Bartolomeu Dias, em Santa Iria de Azoia, que tem contrato de associação para o ensino secundário. A jovem vive em Vila Franca de Xira e desde o 5.º que frequenta o colégio, o que considera ter sido decisivo para conseguir uma vaga. "E também tinha boas notas". Espera a mãe, na companhia da colega de turma Magda Cruz, 17 anos. "Moro próximo, mas só entrei no 10. º ano porque nos outros é pago. Não tive dificuldade em entrar porque a minha mãe me inscreveu cedo e era boa aluna, quase cincos a tudo.".Sentadas no muro do Parque Urbano de Via Rara, em frente ao colégio, terminam mais um dia de aulas que dizem ser de grande exigência. "Essa deve ser a principal diferença em relação às escolas públicas. Os professores não faltam, parece que aqui levam o ensino mais a sério, tenho uma amiga que anda na secundária e esteve muito tempo sem professora de Português ", conta Magda..Elogiam as instalações, "em constante renovação", como ginásio novo, a vista, tudo. Também as refeições, onde se pagam os mesmos 1,76 euros do ensino oficial e a ementa "é muito boa", praticamente todos os alunos lá almoçam. Não se sentem privilegiadas? "Todos deveriam ter acesso a estas escolas. Moro em Vila Franca e tenho uma pública perto, mas vale a pena percorrer mais quilómetros porque o que está em causa é o meu futuro. E se as públicas oferecessem o mesmo serviço, os contratos de associação não teriam tanta importância", diz a Sara..As duas raparigas estão convencidas de que as notas são um fator importante para ter vaga no Colégio Bartolomeu Dias, que ficou em 33.º lugar no ranking das escolas de 2015, mais de 350 lugares à frente das públicas locais. Pedro Gomes Freire, o diretor pedagógico, esclarece que os critérios de entrada são os previstos na lei tanto para o ensino público como para o particular e cooperativo. Os principais são a residência dos pais e a existência de irmãos no mesmo estabelecimento..Lista de espera.O colégio deixou de receber cem alunos no 10.º ano neste ano letivo, já que no último concurso apenas lhes foram atribuídas duas turmas no início de ciclo. E não deverão abrir mais nenhuma, segundo a conclusão da análise da Direção dos Estabelecimentos de Ensino (DGEste), que o DN divulgou. Justificam que há escolas estatais perto com capacidade para acolher novos alunos. Já o havia concluído o estudo da Universidade de Coimbra, Reorganização da Rede de Ensino Particular e Cooperativo com Contrato de Associação, chamando a atenção para o elevado número de alunos fora da área. Pedro Freire contesta: "A esmagadora maioria dos alunos provém das duas freguesias que se encontram na área de influência do colégio. Reitero que nos localizamos no limite da freguesia de Santa Iria e do concelho de Loures. Tem até a particularidade de, estando implantado no concelho de Loures, fazer parte da rede escolar de Vila Franca de Xira.".Está convencido de que a diminuição de turmas não porá em risco a viabilidade do estabelecimento de ensino, como aconteceu em meados da última década devido à abertura de escolas públicas, o que critica. "Quando o colégio aqui chegou não existiam outras escolas, públicas ou privadas. Quando surgiram os contratos de associação, no início dos anos 1980, fomos convidados a aderir a este modelo contratual e a quase totalidade do colégio era abrangido, a partir do 2.º ciclo. Entretanto, e fazendo tábua rasa ao previsto no DL 108/88, de 31 de março, o Estado foi investindo na sua própria rede.".Abriu as portas há 54 anos, como privado, passou para a rede pública com os contratos de associação, voltou a cobrar mensalidade à medida que surgiram escolas públicas na zona. Tinha os ensinos pré-primário, primário, liceal, comercial e industrial, lançaram em 1990 o ensino secundário e, em 2010, a creche. Atualmente são 50 turmas, com 1110 alunos, 62 professores e 48 funcionários. Em apenas oito o ensino é gratuito. A mensalidade, sem extras, vai desde os 290 euros no 1.º ciclo até 325 euros no 3.º ciclo..Cristina Araújo, 40 anos, frequentou o 3.º ciclo no Bartolomeu Dias. Gostaria que a filha, que está no 1.º ciclo, ali fizesse o secundário, mas só porque mora mesmo ao lado. "É por uma questão de segurança." E remata: "Se as pessoas têm filhos no privado é porque têm possibilidades para pagar, porque temos aqui boas escolas públicas.".Ensino católico em Fátima.Em Fátima só o 1.º ciclo é público, os restantes níveis de ensino são assegurados por colégios privados católicos. Manuel Bento, diretor pedagógico do Colégio de Estudos de Fátima (CEF), não vê nisso um sinal da influência da Igreja na região. "Não surgiu uma resposta pública em Fátima devido à qualidade das escolas com contrato de associação existentes." Acrescenta que são uma "escola intercultural", com 15 nacionalidades, e que a aula de Religião e Moral "é formação cívica." E, quanto a missas, apenas em ocasiões especiais. Aponta o painel no interior da entrada principal, algo em que logo se repara, com Picasso, Saramago, Agustina, Einstein, Paula Rego, Júlio Pomar e Paula Rego à volta de uma mesa, não falta a bíblia mas há, também um livro de Duchamp..As manifestações católicas são mais visíveis no Colégio Sagrado Coração de Maria, desde logo, o crucifixo em cada sala de aula. E há a oração diária, além de missas em ocasiões especiais. "Temos muçulmanos, alunos de vários credos, esse não é um problema. E, em 32 professores, só há um padre e uma irmã, os de Religião Moral", justifica Serafim da Costa, diretor pedagógico deste colégio de Fátima. Têm 492 alunos distribuídos por 18 turmas, entre os 2.º e 3.º ciclos, além de 23 funcionários. Foram os primeiros a abrir portas na freguesia, em 1951, como privado, pelo Instituto das Religiosas do Sagrado Coração de Maria, que nasceu em França em 1849..O CEF foi fundado em 1969, tem 43 turmas, distribuídas pelos 2.º e 3.º ciclos, secundário e profissionais, 82 professores e 40 funcionários. Manuel Bento diz que terá de despedir pessoas se a intenção do Governo for para a frente, prometendo lutar arduamente para que isso não aconteça. É um dos três estabelecimentos de ensino da rede pública com contrato de associação, fundados quando as crianças da região não tinha ali outra forma de aprender. "A maior parte destas escolas existem há 30/40 anos. Durante esses anos, o Estado pediu-nos para fazermos serviço público de educação, que nos substituíssemos à escola pública, agora diz-nos que não somos necessários", contesta Manuel Bento..As instalações são boas e bem cuidadas, equipamentos desportivos, por exemplo um campo de futebol de praia e uma piscina fechada no CEF. O diretor pedagógico justifica: "É a única piscina na freguesia e permite que as crianças da escola pública tenham acesso à modalidade de natação. E também a população tem acesso, funciona exatamente como uma piscina municipal. A Câmara Municipal de Ourém paga 2500 euros pela utilização da piscina, que é o mesmo que paga à municipal. Somos rede pública, fazemos serviço público.".Grande parte dos habitantes locais frequentaram os estabelecimentos, além de muitos outros de fora. E há famílias em que vão na terceira geração de alunos. Conceição Ferreira, 76 anos, teve as duas filhas nos três estabelecimentos de ensino. "Gosto de todos", depois os netos, "a mais velha já acabou o curso" e prepara-se para lá dar entrada o primeiro bisneto. É aluno do 1.º ciclo do Externato de S. Domingos, que pertence ao CEF, mas que é pago já que neste grau de ensino não existem contratos de associação. Há escola pública. "Não é uma sorte, é algo que nos faz falta. Os nossos filhos sempre aqui estudaram, desde que nasceram, e estamos a ver que os querem tirar de cá. É muito triste, são colégios muito bons e dão uma boa educação"..Conceição mora no concelho de Leiria e tem uma loja em Fátima, as netas vivem em Ourém. O elevado número de alunos externos à freguesia foi uma das razões pela qual o estudo Reorganização da Rede de Ensino Particular e Cooperativo com Contrato de Associação recomendou a redução de turmas daqueles colégios, também devido ao decréscimo demográfico. "A reorganização da rede deve ser equacionada não só pela respostas que estes dão aos jovens da freguesia de Fátima (e vizinhas), bem como dos municípios vizinhos. No entanto, e em termos de 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico, deve ser referido que apenas 730 alunos [42%] residem em Fátima."."Esse estudo foi feito por uma pessoa com determinada orientação política. Para que os estudos possam ser aceites pela comunidade escolar têm de ser feitos por pessoas independentes. Para se fazer uma análise correta tem que se vir terreno", acusa Manuel Bento. E Serafim da Costa acrescenta: "Um estudo sério à situação teria que incluir o custo por aluno e ser feito em diálogo, para se encontrar a melhor solução para os pais.".O mais recente levantamento da DGEste indica que as quatro escolas públicas estão a uma distância superior a 12 km, mas têm transportes públicos, só que os pais "preferem os colégios que têm transportes próprios e os adequam a horários mais compatíveis com os dos alunos". Acrescenta que o agrupamento de escolas alertou para "o facto de ter havido um decréscimo de alunos nos estabelecimentos públicos, com exceção do de Ourém, que teve um aumento de 21 alunos e uma turma em 2014/2015". Já nos anos anteriores teve um decréscimo..O diretor do Sagrado Coração de Maria informa que, apenas 15% são de fora, percentagem que sobe para 40 % no caso do CEF. Alegam os responsáveis que o financiamento do transporte é assegurado pela Câmara de Ourém, nos casos em que os alunos estão área do município, sendo os restantes suportados pelos encarregados de educação. E ambos dizem estarem aquém das suas capacidades.