"A opinião pública tem que confiar na fiscalização dos sistemas de segurança"

Entrevista a António André Inácio, ex-investigador da PJ, perito em investigação criminal e segurança interna
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O que propõe, na sua tese, é criar um big brother securitário para prevenir o terrorismo?
Pelo contrário. Atualmente o modelo de tratamento de dados pessoais, no domínio da prevenção e investigação criminal, é da competência da cada estado-membro, ficando assim ao seu livre arbítrio. A necessidade de procedimentos comuns, nos domínios da segurança e da justiça, impõe-se por diversas razões. O próprio direito à proteção de dados pessoais, para ser eficaz e igualitário, exige o mesmo nível de proteção no conjunto da UE. Ao mesmo tempo, o nível da ameaça atual exige respostas cada vez mais rápidas, o que apenas é possível com mecanismos que agilizem o tratamento e a troca de informação, na prevenção e combate à criminalidade transnacional, como o terrorismo. Defendi no meu doutoramento a implementação de regras claras e uniformes em matéria de proteção de dados ao nível da UE, garantindo o respeito pelos princípios da necessidade e da competência, concorrendo para fomentar a cooperação entre as autoridades, no respeito pelos direitos individuais, constituindo-se como a aplicação exemplar do "Principio da Subsidiariedade". Entretanto, a opinião pública tem que confiar no sistema de segurança, mas para tal é fundamental que conheça e acredite nos mecanismos de controlo da legalidade de atuação. Logo essas regras claras tem de lhe ser explicadas. A falta de comunicação é uma das pechas no modelo de segurança e justiça.
Defende que o direito à vida e à segurança coletiva prevaleça sobre o direito aos dados pessoais e à privacidade. Mas isso não acontece já sempre que a vida de alguém está em causa?
O atual quadro de insegurança lança novos desafios, exigindo das autoridades eficácia e cumprimento do quadro legal, enquanto aos governos se exige um sistema de fiscalização da legalidade claro e operativo, também a sociedade civil é parte integrante da segurança pública, devendo adotar uma atitude de responsabilidade coletiva e alguma capacidade de resiliência, o que é especialmente difícil num país onde não existe uma cultura de segurança no seio da população. Tendo em conta a dimensão catastrófica que caracteriza o atual modus operandi terrorista de cariz salafista, defendo uma limitação legítima do direito fundamental à proteção de dados pessoais ou à privacidade, sempre que esteja em causa a prevenção de atos que possam afetar direitos fundamentais como o direito à vida ou o direito à segurança coletiva. Admito que choque algumas consciências, sobretudo aqueles que pautam o seu discurso pela "ameaça" virtual - aquela que "existe, mas não nos há de afetar a nós" -mas defendo um modelo de segurança coletiva como limite de determinados direitos fundamentais individuais. E não estou sozinho nesta luta. No quadro mundial, reputados juristas, com créditos reconhecidos no domínio da defesa dos direitos fundamentais, partilham destas ideias.
O governo decidiu criar um ponto único para a cooperação internacional policial no Sistema de Segurança Interna (SSI), retirando a Europol e a Interpol da PJ. Como vê a contestação dos sindicatos da PJ e procuradores?
Os meus bons amigos na PJ e no MP que me desculpem, aqui discordo das posições que vêm assumindo. O atual quadro de riscos e ameaças exige uma atualização dos mecanismos de resposta. O SSI tem capacidades e reúne neste momento as competências que garantem o sucesso da medida. Ao juntar todos os produtores de informação, do Gabinete SIRENE, a Interpol, e a Unidade Nacional Europol, bem como os Centros de Cooperação Policial e Aduaneira e ainda os Pontos de Contacto Prum, agiliza-se o processo de troca de informações com as congéneres e assegura-se a receção de informação de forma integrada, o que facilita a sua interpretação. Com estas medidas, Portugal dá um importante passo para a implementação de uma verdadeira política de segurança comum à escala europeia, como aliás foi já mencionado pelo presidente do Observatório para a Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, Rui Pereira.

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