O último profeta

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Com Fidel Castro desaparece o derradeiro ícone planetário para a geração global que cresceu na década de sessenta. Fidel alimenta na sua imagem muitos afluentes das mitologias políticas do século passado. No assalto ao quartel Moncada, em 1953, ou nos combates da Sierra Maestra, Fidel filia-se no nacionalismo heróico de José Martí, morto numa refrega com o colonizador espanhol, em 1895. No seu juvenil fascínio pelos EUA, que seria reiterado, já depois da queda de Batista, numa visita aos Estados Unidos, onde insistiu na sua recusa do comunismo, Castro reproduzia a relação de atração-repulsa pelo vizinho gigante que, mais do que em qualquer outro lugar da América Latina, está presente na vida quotidiana do povo cubano. A sua "conversão" ao comunismo soviético poderia ser reduzida a uma fria e realista aposta na sobrevivência do seu regime, atrelando-o ao núcleo vital da Guerra Fria, tanto mais que depois da crise dos mísseis de 1962, Havana ficou num limbo, mas num limbo intocável. Contudo, mesmo essa manobra de Richelieu foi praticada com o ardor fervoroso de um Savonarola. Nos seus intermináveis discursos, traindo um inesgotável e sedutor narcisismo, Fidel falava de um "homem novo". Mais do que Marx ou Engels, Fidel guiava-se por um socialismo escatológico, onde as marcas da sua educação católica e da resiliência ganha numa escola jesuíta eram evidentes. Profetismo visível até na justificação ideológica do terror que vitimou milhares de opositores. Com a saída de cena de Che Guevara, Cuba tornou-se durante 50 anos uma espécie de repetitivo e extenuante one man's show, à espera de uma revolução que nunca deixou de ser uma promessa por cumprir. A história continuará depois de Fidel. E como este antecipou, só a ela caberá proferir a definitiva sentença sobre o legado da sua vida.

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