Na maré baixa

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Nos anos gloriosos de Lula da Silva (2003-2011) o Brasil transformou-se na única grande potência ocidental emergente, no interior dos famosos BRICS. Foi em português que se contrariou a tendência mundial para aumentar a desigualdade entre ricos e pobres, tão denunciada por Krugamn ou Piketty, ou se desenvolveu um plano de acesso ao ensino superior para os jovens mais vulneráveis, apenas comparável ao acolhimento dado por Truman aos veteranos regressados dos campos de batalha da Europa e do Pacífico, em 1945. A maré alta era alimentada pelo sucesso do Plano Real, herança benigna de Fernando Henrique Cardoso. Encorajada pelo apetite por recursos naturais de uma China em expansão. Estimulada pela carestia do crude, uma das maiores e crescentes exportações brasileiras. Amparada pelo financiamento monetário da Reserva Federal americana, que também desaguava no investimento mais a sul. A maré baixa, por seu turno, foi chegando devagar até se tornar escandalosamente visível nos protestos de ontem nas ruas das principais cidades. Com a recessão ficou evidente que o Partido dos Trabalhadores não superou a vertigem para a corrupção, tão instalada na cultura política do pais irmão. A Operação Lava-Jato, as condenações de altos quadros de grandes empresas, as denúncias do senador petista Deicídio do Amaral, visando diretamente Lula e Dilma, os cofres e apartamentos alegadamente de Lula, são sinais demasiado intensos para dar qualquer credibilidade ao recurso à retórica da luta de classes usado pelo ex-presidente para distrair as atenções do que não consegue explicar. O Brasil tem hoje um poder judicial suficientemente forte para perseguir a verdade em territórios inóspitos. E isso consolidou-se, mesmo que tenha sido por omissão, na governação do PT. Quando vemos o PMDB, de Michel Temer, a sair da aliança com Dilma, ou o PSDB, do opositor Aécio Neves, a misturar-se nas multidões protestantes, apetece recordar a lista imensa de dirigentes desses partidos envolvidos em casos de corrupção. O PT está a terminar, muito provavelmente, a sua era. Mas os problemas do Brasil não se resolvem diabolizando Lula. Eles terão de ser combatidos também no seio dos seus novos salvadores.

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