Passam hoje 66 anos sobre a Declaração Schuman, que deu origem à lenta formação do edifício, simultaneamente gigantesco e frágil, da União Europeia. Ninguém com uma pinga de lucidez poderá negar que os próximos 18 meses serão uma autêntica corrida existencial de obstáculos, que poderá mudar a orientação política em países tão centrais como a França e a Alemanha. Para já não falar do brexit, que será testado daqui a escassas semanas. Nem do regresso do espectro do colapso helénico..Muitos observadores subestimam, contudo, a gravidade da situação. Eles recordam que, no passado recente, a zona euro esteve, por várias vezes, à beira de um colapso funcional. Em 2011, parecia que o sistema bancário europeu iria sufocar na desconfiança que levara à interrupção do crédito interbancário. Em 2012, a Itália e a Espanha estavam a ser empurradas para pedidos de resgate pela subida das taxas de juro. Em ambos os casos, os remédios heterodoxos do Banco Central Europeu, que Mario Draghi foi receitando a partir do seu escritório em Frankfurt, permitiram manter a integridade europeia contra a resignação resmungada de Berlim. Contudo, o prolongar, sem fim à vista, da estagnação económica nos países do euro, apesar das sucessivas injeções de liquidez, e a revelação do falhanço da união bancária (Portugal e a Itália que o digam) na declarada pretensão de separar a dívida bancária da dívida soberana (quando na verdade tem contribuído para aumentar a segunda sem solucionar a primeira) revelam que os limites estruturais das medidas monetárias do BCE, sem o concurso das políticas orçamentais que só os Estados poderiam empreender, já terão sido provavelmente atingidos..Mas hoje é diferente. Se a crise do euro mostrou a incúria de fazer uma união monetária sem transferências orçamentais automáticas, o desmoronar do espaço Schengen revela a frivolidade de uma livre circulação sem instrumentos para a segurança das fronteiras comuns e políticas ativas de boa vizinhança. O sentimento de insegurança aumentou, não só pelos atos terroristas mas sobretudo pela vulnerabilidade manifesta nas desastradas relações com a Rússia e a Turquia. Insegurança patente também no despertar de alergias xenófobas perante vagas de refugiados, cujo imenso caudal poderia ser diminuído sem o absurdo concurso europeu para a destruição da Líbia e da Síria. Hoje, assistimos à politização de uma crise, até agora dominada pelo registo económico. O paradoxo democrático europeu arrisca-se a ser "resolvido" contra a própria ideia de unidade europeia. Nestes anos críticos ficou patente que as instituições com poder efetivo (como o Conselho Europeu) carecem de legitimidade democrática, e as instituições democráticas (por exemplo, parlamentos europeu e nacionais) não têm poder suficiente. As recentes eleições regionais na Alemanha, que colocaram a AfD, um partido extremista, em posição de destaque para disputar as eleições federais de 2017, ou a eventualidade de Norbert Hofer, um discípulo de Jörg Haider, se tornar o próximo presidente austríaco, já no dia 22, mostram que os eleitores - muitos deles votando pela primeira vez - reclamam mais poder efetivo. O problema é que as agendas destas novas forças não pretendem reformar, mas sim implodir a Europa de Schuman. Em 1848, os povos da Europa viveram uma primavera democrática contra os regimes conservadores saídos do Congresso de Viena. A esperança foi reprimida, mas sobreviveu. Pelo contrário, a atual revolta dos eleitores - da França à Finlândia, da Holanda à Alemanha - contra uma União Europeia entrincheirada numa agonia apática, não promete nenhum projeto construtivo e mobilizador de futuro. No seu seio misturam-se medos, pulsões hostis e nacionalismos quiméricos. O perfil desta primavera europeia não é o de 1848, mas antes, caso o vital impulso reformista europeu continue anémico, o da Primavera Árabe de 2011. Muita cor, som e fúria destinados a desembarcar num tempestuoso e precoce inverno.