1. Cavaco Silva não se conforma. Como será possível existir uma solução governativa que ele não gosta? Como chegou um homem que ele manifestamente detesta a Presidente da República? Mas, sobretudo, como é possível um país que lhe deu duas maiorias absolutas e dois mandatos presidenciais ter-lhe perdido o respeito?.Para uma resposta à última pergunta, bastar-lhe-ia rever o seu próprio discurso na Universidade de Verão do PSD. Talvez se ele conseguisse sair dele próprio e visse aquele homem ressentido e ressabiado percebesse porque é que a esmagadora maioria dos portugueses deixou de o respeitar. Mas é difícil para um homem que nunca se engana e raramente tem dúvidas fazer um exercício de reflexão. Não percebeu qual o papel que deveria desempenhar como Presidente da República e, não surpreendentemente, não percebe o papel que alguém com seu o passado político deve desempenhar e qual o lugar que deve ocupar..Como é evidente, Cavaco Silva tem ideias sobre o país e sobre a política e não só tem o direito de dar as suas opiniões mas até o dever de o fazer. Portugal tem problemas sérios que necessitam da ajuda de todos, principalmente de quem o conhece bem - ou deveria conhecer. O que um homem com a importância de Cavaco na nossa história recente não pode ou não deve fazer é optar por dividir, crispar, fazer baixa política. Mesmo em temas que importa debater, assuntos decisivos para o nosso futuro comum, como a questão do pensamento único europeu (que Cavaco chama realidade, quando é apenas uma opção política), no tamanho do Estado (o ex-primeiro-ministro Cavaco chamar a atenção para as gorduras de Estado é de estarrecer), o nosso endividamento brutal que nos mantém expostos à mais leve borrasca económica, o nosso insustentável modelo de desenvolvimento ou a questão do afogamento económico que a excessiva carga fiscal provoca. O ex-presidente, em vez de indicar caminhos, propor soluções, construir pontes para o diálogo, opta por um estilo chocarreiro, insultuoso, fanático que o envergonha a si e as instituições que serviu..Cavaco demitiu-se de ser Presidente de todos os portugueses enquanto estava no cargo e agora demite-se de ser uma referência para a procura de soluções e decide ser um boy de máquina partidária..O discurso político cada vez mais se afunda nas trincheiras, e que faz um ex-primeiro-ministro e ex-Presidente da República? Insulta em vez de argumentar, distorce factos e apoia teorias da conspiração..Como deixou claro na sua aula aos rapazes e raparigas da JSD, quem não tem a sua opinião - uma grande franja da sociedade portuguesa - diz bazófias, não argumenta mas apenas utiliza verborreia ou limita-se a piar. Sim, é o homem que mais tempo esteve no poder desde o 25 de Abril que assim se exprime e, pelos vistos, acha que contribui desta forma para um ambiente que permita a busca de soluções..O homem que no seu discurso diz "estar convencido de que os portugueses ainda valorizam a honestidade e a verdade" é o mesmo que, para atacar o atual Presidente da República confunde o papel de um Presidente da República no sistema político francês e no português..O homem que fala de fake news e notícias plantadas é exatamente o mesmo que dirigiu uma intentona comunicacional desde o palácio de Belém - será que Cavaco acha que não temos memória?.O homem que acusou um ex-primeiro-ministro de falta de solidariedade institucional é o mesmo que passa parte de um discurso a lançar indiretas e ataques mais ou menos explícitos ao atual Presidente da República e a pôr em causa o modo como este exerce o cargo - rompendo uma tradição da nossa democracia, mas expondo o alinhamento de Cavaco com a atual direção do PSD na oposição a Marcelo..E, claro, para não nos desiludir, Cavaco Silva não resistiu em amplificar a tese da asfixia democrática - que tão bons resultados tem dado ao PSD. O apelo final aos jovens do PSD "não vos falte a coragem para combater o regresso da censura" encaixa bem numa espécie de verdade alternativa que, pelos vistos, Cavaco quer ajudar a construir e divulgar..No fundo, o homem que não é político passou uma hora num evento que pretende formar políticos a ensinar o pior da política..O David Dinis, no Público, perguntava porque teria Cavaco Silva voltado? Eu respondo, para nos lembrar que estamos bem melhor sem ele..2. Esta semana, tivemos debates televisivos referentes às eleições para as autarquias de Lisboa e do Porto. Em ambos, e em primeiro lugar, ganhou a falta de respeito pelo cidadão eleitor. Num caso na falta de verdadeiros candidatos ao cargo, noutro na recusa em debater as ideias para a cidade..Ficou claro que em Lisboa há apenas um candidato a presidente da câmara. A candidata do PSD não consegue sequer disfarçar que está ali contra a sua vontade e nem se dá ao trabalho de conhecer os dossiês; o CDS decidiu utilizar o tempo de antena para promover a sua líder e prescindiu de ter um verdadeiro candidato; PCP e BE têm candidatos preparados mas que mais não são do que possíveis muletas de Fernando Medina..No Porto, não faltam verdadeiros candidatos à presidência da câmara, devidamente preparados e com diferentes projetos. Aqui a falta de respeito pelo saudável debate e pelos eleitores veio do mais que provável vencedor do próximo ato eleitoral que, pura e simplesmente, não compareceu ao debate..Não foi um bom começo para as autárquicas de Outubro, e logo nas duas principais cidades do país.