24 janeiro 2016 às 00h03

A campanha que não para

Pedro Marques Lopes

De tempos a tempos temos uma campanha eleitoral, europeias, autárquicas, legislativas, presidenciais, referendos, mas há uma que não para: a que visa destruir o prestígio dos políticos, retirar-lhes a mínima credibilidade, que tem por objetivo afastar qualquer pessoa válida da vida política. O aspeto mais curioso desta campanha é que os seus autores são também o alvo dela.

Programas de desabafo nas rádios e televisões, opiniões anónimas em caixas de comentários de jornais, populistas encartados, todos eles não chegam aos calcanhares dum político na tarefa de afastar da política os mais bem preparados, os mais competentes.

Até se podia pensar que haveria um plano dos políticos medíocres para afastar a concorrência: criar um clima de desconsideração tal, de falta de respeito tamanha pela classe política, que só os que não têm um pingo de vergonha na cara não se importariam de ser constantemente achincalhados na praça pública. Ora, não há plano nenhum. É mesmo inconsciência, estupidez, demagogia no seu estado mais nojento.

Vale rigorosamente tudo. Até cuspir em princípios básicos duma democracia liberal.

Também não me agradam subvenções vitalícias. Mas desagrada-me infinitamente mais que se atente contra o princípio constitucional da confiança - da nossa e de qualquer constituição de uma democracia ocidental. Consigo entender e até concordo com a opinião de quem pensa que os trinta deputados e ex-deputados não deviam ter pedido a fiscalização da inconstitucionalidade de normas quando apenas estavam em causa interesses deles próprios e não questões relativas aos cidadãos que representaram ou representam. Diz tudo sobre as prioridades desses políticos saber que muitos não pediram a fiscalização da possível inconstitucionalidade dos cortes nos salários e pensões - com base no mesmo princípio que arguíram neste caso. Mas, mesmo pesando tudo isso, não se pode condenar como criminoso quem exerce um direito. Faço o meu julgamento político sobre aquelas pessoas e terei em conta as suas decisões quando pedirem o meu voto, seja para eles seja para o partido que representem. Entretanto, fico mil vezes mais preocupado com a descontração com que muitos encaram a possibilidade de retroagir efeitos legais, com a forma com que se intoxica a opinião pública fazendo crer que ainda estão em vigor normas que foram abolidas em 2005 ou com a costumeira miserável conversa dos privilégios dos políticos.

Fui contra as subvenções vitalícias para cargos políticos (com algumas exceções, como a Presidência da República) mas já acabaram. Agora, estou violentamente contra as incompatibilidades estapafúrdias que querem obrigar, entre outras coisas, alguém a não poder estar em funções políticas relativas a matérias do seu conhecimento ou a não poder aplicar profissionalmente as suas aptidões. Não podemos estar a vociferar contra os bandidos dos políticos que se aproveitam dos cargos para arranjar empregos no setor privado, impedi-los de trabalhar e depois não os querermos compensar por não exercerem a sua profissão não lhes dando algum tipo de apoio. Devemos entender que, por exemplo, um cidadão deve passar de deputado a sem-abrigo? Que só podem ser deputados os funcionários públicos ou os académicos? Que um ministro com a pasta da energia ou das telecomunicações não pode mais trabalhar nessas áreas, mesmo que toda a sua vida tenha sido nesses setores - num país como Portugal, os efeitos seriam espetaculares ?

Quem exerce funções políticas ganha muitíssimo mal para as responsabilidades que tem. Que é impensável que um primeiro-ministro leve para casa o mesmo que um diretor de nível médio duma multinacional. É um escândalo um presidente duma câmara como Lisboa ganhar o mesmo que um paineleiro dum programa televisivo de futebol. Todos sabemos que a concorrência ente o setor privado e o público não é possível. E claro que o principal móbil de quem trabalha para o bem comum nunca será em primeiro lugar o salário. Mas há limites. A não ser que nos digam que só devem ir para a política os ricos, a rapaziada que não consegue arranjar um emprego minimamente decente no setor privado ou os que não têm outra solução por nunca terem saído duma qualquer máquina partidária.

Houve uma altura na nossa vida democrática em que era preciso atrair gente para a vida política, e pagou-se um preço para trazer outras pessoas, outras classes sociais para o centro da comunidade. Claro que houve abusos, enormes abusos, de que este caso das subvenções vitalícias é uma reminiscência. Agora temos uma situação, em demasiados casos, diametralmente oposta: é pecado receber um salário digno se se trabalhar para a res publica; quem não provar que vive na miséria tendo ou tendo tido um cargo político é um gatuno; quem arranjar um emprego decente depois de estar no governo é ou foi um corrupto.

Já é suficientemente grave ter políticos a desprestigiar a sua própria tarefa e a contribuir para a degradação da democracia e de quem a serve. Mas pior é pensar que são aqueles que deviam lutar para ter os melhores na vida pública a ser os primeiros a querer afastá-los. Ou seja, nós, os cidadãos.