O Presidente da República tanto dá afeto a rodos como o tira num ápice. O veto ao diploma das barrigas de aluguer estava anunciado. Marcelo Rebelo de Sousa preparou o terreno e as notícias de Belém sucederam-se sobre as suas reticências. Foi uma forma suave de afrontar a decisão do Parlamento. Os deputados esperavam-no e já admitem alterações ao diploma..A forma como decidiu também revela muita inteligência política. No dia em que recebeu a lei vetou-a. Já tinha preparado a fundamentação a enviar à Assembleia da República - que até se encaixa nas suas suas convicções, mas que cunhou com os pareceres do Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida. Nunca antes um Presidente tinha sido tão rápido a decidir. Objetivo? Dar um sinal de forte convicção aos deputados que aprovaram a lei e demonstrar que sempre que não concordar com as decisões do Parlamento está lá para as tentar travar. Mesmo que tenham tido apoio de vários deputados do PSD, incluindo o de Pedro Passos Coelho, que contrariou a própria orientação da sua bancada ao dizer sim à maternidade de substituição..Marcelo sabe ainda que a atual maioria que suporta o governo precisa do seu apoio para as causas magnas da governação e que, portanto, não está ainda em tempo de o afrontar ignorando os seus desígnios..Vem esta interdependência a propósito também da decisão sobre a reposição das 35 horas na função pública. Essa ainda mais sintomática do que vai ser o mandato de Marcelo. O Presidente deixa passar o diploma porque não quer tirar o tapete a António Costa nem abrir uma frente de batalha com os sindicatos. Mas deixa o alerta: se levar a um aumento de despesa pública, o que até é bem provável, mandará o diploma para o Tribunal Constitucional para apreciação sucessiva. A advertência até deu jeito ao primeiro-ministro, que tem andado na corda bamba com a exigência dos sindicatos para que não houvesse gradualismo na reposição das 35 horas. Poucas horas após a promulgação, Costa compreendia a preocupação do Presidente e garantia estar empenhado a 100% no objetivo de manter a despesa do Estado controlada..Este primeiro embate legislativo entre São Bento e Belém mostra que o afeto que Marcelo Rebelo de Sousa nutre pelo governo e pela maioria que o suporta é q.b. Quem esperava apenas um Presidente muito beijoqueiro, muito afoito à selfie e às inaugurações, muito congregador de entusiasmos, enganou-se. Marcelo quer consensos políticos, apoia o governo de Costa, mas quer ter uma palavra em todas as decisões com as quais não concorda. E até naquelas em que concorda. É Marcelo..Mas fará sempre tudo com muito afeto.