Da Grécia nem vale a pena falar. Estabilidade partidária tem desde 2015. Uma maioria sólida do Syriza, uma oposição moderada (que pode ser alternativa nas eleições de 2019) e uns tantos partidos reformistas (incluindo o Potami, pelo qual tenho uma certa predileção). Mas lá sair da austeridade, não sai. Até já perdemos a conta ao número de bail outs. E assim continuará por ainda muito tempo..A Itália é outra dor de cabeça. Depois de muito disparate, parecia ter conseguido uma maioria política razoavelmente operacional com Renzi, em 2014. Veio o referendo e implodiu tudo. Agora cozinham-se umas eleições (a data limite é maio de 2018) para evitar uma vitória do M5S de Beppe Grillo. Contabilizam-se vários novos partidos, cisões das grandes coligações de esquerda (MDP e SI) e de direita (Alternativa Popolare e FdI). Ou a lei eleitoral é ajustada à medida, ou a Itália ficará noutra daquelas crises longas (a última foi da desagregação da maioria de Berlusconi, nos finais de 2009, até Renzi conseguir formar um governo estável, em fevereiro de 2014)..Já a Espanha está em compasso de espera desde abril de 2015. Governa don Mariano, claro. Governa, mas não manda. O novo sistema partidário a quatro é totalmente disfuncional. Nenhum bloco (direita, centro, esquerda) consegue maioria a dois. Bem sei que a direita portuguesa adora usar o crescimento económico de 3% para criticar a gerigonça, mas convenientemente esquece que tanto Portugal como Espanha simplesmente regressaram às taxas de crescimento anteriores à crise, demonstrando assim que a austeridade virtuosa não teve qualquer impacto estrutural. Já as organizações internacionais, da Europa ao FMI e à OCDE, menos convencidas dos méritos de don Mariano, não se cansam de avisar Espanha de que vai a caminho de uma situação económica complicada, pois as políticas públicas e as reformas do mercado de trabalho e da Segurança Social estão suspensas há dois anos. As sondagens, em linhas gerais, apontam para uma configuração parlamentar semelhante à atual. Portanto, para já, até 2020, com um xadrez partidário a quatro, o impasse continuará..E temos França. A vitória de Macron é uma boa notícia, dada a alternativa. Mas Macron encontra uma França dividida em quatro ou cinco partes quase iguais (FN, France Insoumise, EM, LR e o PSF, um pouco abaixo). Mesmo beneficiando de um sistema eleitoral peculiar, as eleições legislativas de junho vão produzir uma manta de retalhos. Macron, sem maioria absoluta do seu partido, vai ter de montar uma coligação de duas ou três formações políticas que concorrem entre si (qualquer coisa que vai dos centristas do LR ao PSF, passando pelo EM). Macron enfrenta os mesmos desafios de Hollande, a mesma sociedade, a mesma economia, mas, ao contrário de Hollande, não tem um partido forte nem conseguirá uma maioria parlamentar coerente. Pensar que vai fazer as reformas necessárias é totalmente irrealista. A França está paralisada desde que o PSF se dividiu sobre as reformas de Hollande nos finais de 2013 e assim continuará nos próximos cinco anos: num impasse com quatro ou cinco partidos razoavelmente equilibrados e incapazes de gerar uma qualquer maioria reformista estável..E Portugal lá vai passando entre os pingos da chuva. Não há partidos novos, não há protagonistas novos, a velha política domina. O impasse dos outros é a grande oportunidade de respiração da gerigonça. Por isso, a gerigonça tem condições de sobreviver toda a legislatura. Mas se o impasse dos outros é uma boa notícia para a gerigonça, a direita aguarda um qualquer diabo que a salve do seu desastroso destino..Prognose e desejo.Algo muito curioso acontece no espaço público em Portugal. Se me atrevo a prever que o PS ganhará as próximas eleições autárquicas e legislativas, logo se pode concluir que sou apoiante do PS. Ao sugerir que Macron terminará como um Hollande 2.0 porque enfrenta os mesmos desafios deste, mas sem um partido e uma maioria parlamentar consistente, nota-se imediatamente que sou um direitista ferrenho apostado no fracasso de Macron. Porque, se fosse de esquerda, a minha prognose só poderia ser o total êxito de Macron. E, se fosse de direita, deveria proclamar que o cenário eleitoral mais provável é uma grande vitória do PSD nas eleições autárquicas e legislativas..Confundem-se, pois, prognose e desejo. Não é evidentemente exclusiva do espaço público português. Contudo, como se notou nos Estados Unidos e no Reino Unido após as últimas eleições, houve alguma discussão sobre os tais erros de prognose. Em Portugal, sinceramente, não me lembro de alguma vez ter havido semelhante debate no espaço público. Pelo contrário, ultimamente, leio com frequência reputados cronistas da nossa praça afirmarem que, afinal, esta ou aquela situação (por exemplo, a longevidade da gerigonça) simplesmente era imprevisível há meses (quando basta usar o Google para encontrar quem fizesse a previsão correta). Não nego que haja muitas exceções. Mas parece-me que, em Portugal, predomina uma certa preferência pela projeção emocional (eu gosto deste, logo a este tudo corre bem; eu não gosto daquele, logo a esse tudo corre mal) do que pela previsão racional e tendencialmente objetiva. Será isto consequência do tradicional atraso da cultura científica em Portugal?