Sim, Mariana Mortágua, tenho algo a esconder

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No dia em que se soube que Francisco José Viegas seria nomeado secretário de Estado da Cultura, em julho de 2011, soube-se também, sabe-se lá como, que tinha um problema com o fisco na ordem dos 40 mil euros, um problema relativo a 2007. Foram-lhe decretadas penhoras.

O problema entre o fisco e Viegas era um problema entre os dois - mas toda a gente soube. E só se soube quando Viegas alcançou um posto político de exposição. Não se soube nem em 2007, quando Viegas era só um simples escritor/editor, nem em 2008, quando era o mesmo, nem em 2009, nem em 2010. Soube-se exatamente em 2011, depois de se saber que seria membro do governo.

Isto significa o óbvio: a Autoridade Tributária não sabe/não quer manter segredos. A Autoridade Tributária tem as suas direções escolhidas por jogos partidários. E, mais do que isso, a Autoridade Tributária tem, na sua imensa dimensão de dezenas de milhares de funcionários, a possibilidade de um deles resolver, além de espreitar pelo buraco da fechadura, pôr também cá fora o que sabe. Umas vezes por puro voyeurismo, outras por estar ao serviço de interesses (partidários, económicos, etc.).

Parece que a Autoridade Tributária quer, a partir de 2017, vigiar sob a forma de varrimento, todas as contas com saldo igual ou superior a 50 mil euros, para verificar depois se batem ou não certo com as declarações fiscais.

Uma ideia do governo do PS entusiasticamente apoiada pelo BE. E uma ideia que ignorou o rigor democrático do PCP, expresso através do deputado António Filipe: para o fisco ir às contas bancárias tem de ter um pretexto sério, assim como a Justiça para ir às nossas chamadas telefónicas tem de ter um pretexto.

"Se não houver nada a esconder, não há mal nenhum. Quem não deve não teme", explicou a deputada Mariana Mortágua, do BE. Acontece, deputada, que, como expliquei antes, a máquina fiscal pode só "esconder" o que lhe apetece. E eu, pessoalmente, posso até registar no meu trânsito bancário várias despesas que, não sendo ilegais, são pelos menos imorais.

Não acredito que o fisco só venha a ter acesso aos saldos bancário. Acredito que, cruzando esta informação dos saldos com outras - o e-fatura, por exemplo -, haja muitos milhares de pessoas do fisco com capacidade de registar grande parte dos nossos comportamentos. Não acredito na capacidade de sigilo da máquina fiscal. Não acredito no totalitarismo da suposta "transparência".

Quando um dia frequentar um bordel pagarei em dinheiro vivo. Percebem assim que quem não deve pode ter a temer? E isto não vos impressiona?

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