Há dias, numa entrevista ao DN, a secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, dizia que quer ver o seu partido como um partido de "pessoas normais". Isto traduzindo-se através de uma medida concreta: que os órgãos nacionais do PS venham ser compostos, a partir do próximo congresso, por um terço de militantes cujos ordenados não dependam de eleições ou nomeações políticas. Um terço composto, como disse, por "pessoas normais"..A expressão "pessoas normais" não será a mais feliz - porque se salta automaticamente para a conclusão de que os políticos profissionais serão assim "pessoas anormais". E presta-se portanto a ser explorada por quem quer ver na teoria da secretária-geral adjunta uma cedência ao populismo anticlasse política que de vez em quando anima alguma classe política..Tirando isto, a ideia compreende-se: valorizar o conhecimento daqueles que não precisam das boas graças do partido para terem o seu ganha-pão assegurado no fim de cada mês. E beneficiar não só desse conhecimento como também - e sobretudo - a independência. Só que convinha alongar o raciocínio, tentando ver outros aspetos do mesmo problema. Do que se trata aqui não é só da participação em órgãos partidários de pessoas eleitas para cargos políticos - algo que faz evidentemente sentido - mas da participação excessiva naqueles órgãos de pessoas nomeadas politicamente para cargos no aparelho de Estado. Trata-se na verdade de promiscuidade entre atividade partidária e atividade do Estado. Numa palavra, clientelismo puro e duro..É assim, olhando o problema por estes dois ângulos, que poderemos avaliar a coerência da proposta que Ana Catarina Mendes verbalizou. Se o PS quer ser cada vez mais uma emanação da sociedade civil convinha que desse o exemplo deixando o Estado, também ele, ser uma emanação da sociedade civil, não enxameando as hierarquias da administração pública com os seus boys..Ora dificilmente se pode dizer que isso está a acontecer quando se sabe, por exemplo, que foram colocados militantes do PS à frente dos centros da Segurança Social de Beja, Évora, Santarém, Portalegre, Alentejo Litoral ou Alto Tâmega (DN de 26 de março ) ou quando é noticiado (Público de 5 de maio) que o atual executivo fez 273 nomeações sem concurso, tornando a Cresap (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública) num verbo de encher ..Se o PS quer menos nomeados do Estado nos seus órgãos talvez fosse importante que o governo nomeasse menos militantes do PS para o Estado - as coisas estão indubitavelmente ligadas. Não o fazendo, como parece estar a acontecer, é difícil acreditar na bondade desta nova ideia.