As questões da família são evidentemente decisivas em qualquer sociedade. Quando a respectiva legislação vem controlada por forças fanáticas, o desastre fica inevitável. Isto é precisamente o que acontece em Portugal, agora de forma tão despudorada que até incomoda alguns dos próprios partidários..Fundamentalismo não é ter ideias claras e extremas. É tentar impô-las aos outros através de qualquer forma de agressão. Que neste campo as nossas instituições estão controladas por fanáticos vê-se logo pelo radicalismo do discurso oficial. Por exemplo nas discussões acerca da homossexualidade, como no recente caso da adopção, só parecem admissíveis duas alternativas: quem não aceitar a igualdade total e integral de coisas obviamente diferentes é acusado de homofobia e violação de direitos..Esta dicotomia extremada em tema tão sensível chega para mostrar o sectarismo. Existe, sem dúvida, um grave crime de homofobia, o fundamentalismo de quem violenta ou discrimina pessoas concretas. Mas o repúdio por essas agressões não implica a adopção da posição oposta, igualmente radical. Estes temas são complexos e ambíguos, e em todo o lado admitem várias posições e cambiantes. Na adopção não está em causa o direito do adoptante, que não existe, mas o interesse da criança. Numa sociedade livre, democrática e civilizada, precisamente por se tratar de questões profundas e decisivas, é indispensável reflexão, análise, discussão. Quando a posição extrema, aproveitando uma maioria ocasional, impõe o seu fanatismo em aspecto tão central, a sociedade deixa de ser livre, democrática e civilizada..Outro sinal doentio vem da cavalgada imparável, onde os mais radicais triunfam sucessivamente, impondo posições crescentemente esdrúxulas. Os sucessivos compromissos e salvaguardas são arrogantemente descartados na ronda seguinte, passando por parvos os que neles confiaram. Mais uma vez, este caso da adopção por casais homossexuais mostra a estratégia em acção. Não se sabe se os responsáveis que criaram a Lei N.º 9/2010 de 31 de Maio, que igualava as uniões ao casamento, eram mentirosos ou tolos, mas o que não há dúvida é que as garantias na altura solenemente apresentadas ao país acerca da adopção de crianças revelam-se vácuas em pouco tempo..A posição que hoje a lei impõe já contrasta claramente com aquilo que toda a humanidade, em todas as épocas, culturas e regiões, sempre defende. Mesmo em sociedades que permitiam o aborto, nunca se considerou um direito subsidiado pelo Estado. Até povos onde a homossexualidade era generalizada nunca tomaram essa relação equivalente ao casamento. Será que, para lá do grupinho de iluminados, toda a humanidade foi e é homofóbica? No campo da família e da vida, a Europa contemporânea, com Portugal na vanguarda, ocupa uma posição evidentemente aberrante, que já se mostra insustentável e será repudiada no futuro. Como hoje repudiamos outros extremismos anteriores..Como é possível este domínio fundamentalista em assuntos basilares? Os episódios históricos de desvarios radicais, tão variados, têm sempre um elemento comum: a apatia da maioria. Aquilo que os extremistas apresentam como direitos inalienáveis não goza de apoio entre as pessoas sensatas e comuns, mas conta com o seu desinteresse. Tal como nas vitórias de jacobinos, bolcheviques, nazis ou jihadistas, o alheamento das massas é o principal cúmplice dos que pretendem demolir os pilares culturais da sociedade..A aberração familiar nesta viragem de século servirá como triste fábula para as gerações vindouras. Deveria servir, desde já, para nós, pois o colapso é por demais evidente. Com taxas de fertilidade mais baixas do mundo, divórcios, depressões e suicídios a subir, casamentos em queda, os indicadores justificariam alarme, se as autoridades não sofressem da cegueira ideológica típica de fanáticos..Existe, no entanto, aqui uma ironia: quanto mais abstruso, mais efémero será o resultado. Precisamente por serem fundamentalistas, os militantes não entendem que o seu método arrogante e precipitado, garantindo vitórias rápidas, torna-as muito frágeis. A vanguarda que descola acaba por romper. A história também mostra como no final o bom senso é sempre vencedor, mesmo se entretanto se causam muitas vítimas..É verdade que elas já são evidentes mas ainda tem sido possível acusar a crise, ocultando sob motivos económicos o que é realmente um colapso moral e cultural. Quando a poeira assentar, ficarão bem marcadas as consequências desta triste experiência de poder fundamentalista.