Muito se especula acerca do que Donald Trump realmente quer, mas estes poucos dias tornaram já uma coisa evidente: ele está a contar com um grande ataque terrorista na América. A sua política de hostilidade aberta contra vários grupos, apregoada como protecção dos cidadãos, não aumenta a segurança, mas é excelente para provocar atentados. E um grande desastre nacional seria ideal para afirmar o novo presidente: silenciaria críticos, desviaria atenções, justificaria plenamente as orientações básicas do programa e colocaria o milionário na confortável posição de salvador da pátria. George Bush teve um salto de popularidade após o 11 de Setembro de 2011; coisa semelhante aconteceria até com Trump..O uso de emergências para impor lideranças é um método clássico do populismo. Caso marcante, considerado protótipo, foi o aproveitamento que o recém-empossado chanceler alemão Adolf Hitler fez do atentado ao Reichstag, a 27 de Fevereiro de 1933, deflagrando uma grande campanha totalitária. Estaline usaria o mesmo método após o assassínio de Sergei Kirov, a 1 de Dezembro de 1934, numa longa linha de exemplos que tem o caso mais recente na repressão lançada pelo presidente turco Recep Erdogan em resposta ao golpe falhado de 15 Julho último..Alternativa seria o pretexto de uma ameaça militar externa. Vladimir Putin utilizou-o na invasão da Crimeia em 2014, resolvendo instantaneamente o seu declínio de popularidade. Também aqui Hitler pode ser tomado como símbolo: as invasões da Checoslováquia em 1938 e da Polónia em 1939 foram justificadas pela urgência humanitária de socorrer as alegadamente oprimidas populações germânicas nos sudetas e Dantzig. Trump, com o muro do México e os vários teatros do Médio Oriente, não terá dificuldade em arranjar os seus sudetas..Os intensos esforços para compreender o insólito presidente americano têm levado a comparações com várias personalidades históricas. Por outro lado, nos últimos 70 anos a invocação de Hitler tornou-se um chavão corrente, a propósito e despropósito. Mas se o "cabo boémio" é o vilão de serviço desde meados do século passado, é importante não esquecer que ele representa também um dos sucessos políticos mais espantosos da história do mundo, passando em poucos anos de pária a Führer da Alemanha e daí a líder de um dos maiores impérios do planeta. Por isso, mesmo omitindo os horrores nazis da guerra e repressão, o paralelo hitleriano é crescentemente profícuo para compreender o novo presidente americano..O elemento mais significativo é que Trump, como Hitler, fez precisamente aquilo que os seus conselheiros e especialistas mais reputados consideravam desastroso, para, apesar disso, conseguir o sucesso. A estratégia eleitoral do americano tem, neste sentido, claras semelhanças com as duas grandes apostas iniciais de Hitler. Seja a política económica alemã dos anos 1930, que gerou um boom contra a opinião da ciência então dominante, seja a estratégia militar heterodoxa da Blitzkrieg, também considerada inconsciente pelos generais de então, levaram a êxitos indiscutíveis. Só que isso acabou por ser a causa principal do final desastroso. Crescentemente convencido da sua infalibilidade e da idiotice dos peritos, o líder nazi entrou num autismo galopante que acabaria por o isolar e conduzir à inevitável ruína, não só do seu poder, mas da Alemanha e do mundo. As ideias heterodoxas às vezes correm bem, mas, em média, os especialistas têm razão..O paralelo com Trump é aqui quase incontornável. Presunção e autismo são características suas mesmo antes da eleição. Por isso é que se enganam os que pensam que, estabelecido no poder, o americano será sensato. Por isso é que são mais instrutivas as lições dos primeiros meses do mandato de Hitler, como o incêndio no Reichstag..Existe uma outra dimensão a ter em conta: o sucesso destas personalidades doentias acontece, em grande medida, por causa do enquadramento mórbido das suas épocas. Também aqui, as últimas décadas, apesar de muitas diferenças, reproduzem várias dimensões dos loucos anos 1920 e dos depressivos anos 1930. É compreensível que, por todo o lado, subam figuras aberrantes como Trump, Tsipras, Farage, Le Pen, Kaczynski, Orbán, Grillo, etc. Esperemos que as lições do passado cheguem para limitar os próximos horrores..Acima de tudo, é essencial nunca cair na armadilha de pensar que essas gerações antigas eram feitas de outra massa, e que nós hoje, sendo normais, estamos imunes a erros e atrocidades paralelas. Os eleitores e colaboradores de Hitler não eram monstros alienígenas, mas pessoas comuns, enfurecidas por injustiças evidentes e assustadas por perigos sérios. As suas reacções são compreensíveis, até entrarem na espiral de violência. Hoje, em certas dimensões, isso até é mais fácil. Por exemplo, Trump, ao contrário de Hitler, nunca tentou fingir ser idealista ou honesto, apregoando os seus abusos como espertezas.