O nosso coro que caiu no mar Negro

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Ainda li, embora fossem já velhas edições, dezenas de Reader"s Digest com hosanas aos soldados soviéticos. Foi das minhas lições iniciais de relativismo. Quando comecei a ler as revistas - ah, as lições de português de Buarque de Hollanda, pai do dicionário Aurélio e primo do cantor Chico -, já a Rússia era inimiga e tratada assim. Russo protagonista era espião acabado de ser apanhado pela antena da CIA em Viena. Aconteceu-me, por gripes de infância, misturar o espião russo, mau, com o herói tenente russo combatendo o cerco nazi de Estalinegrado - ambos do mesmo regime mas vistos pelo prisma de dez anos de distância entre duas edições da propaganda americana... Repito, grande lição de que o que é talvez deixe de o ser daqui a pouco. Mas o importante é ter Gogol, Dostoievski, Andrei Rublev e Tchaikovsky para manter marcos comuns e retomar fios condutores. Isto para dizer que fosse eu diretor do jornal faria manchete com a queda do avião russo que levava a bordo o Coro do Exército Vermelho (está bem, chamemos-lhe Ensemble Alexandrov para não espantar ofendidos) que ia cantar para soldados de Aleppo. Olha, Aleppo - outra relatividade, é certo que foi guerra e, como todas, suja, mas, acerca dos fascistas islâmicos, libertou a cidade deles. Então, sobre as vítimas da queda do Tupolev: saudemos os nossos mortos, que ainda por cima cantavam tão bem. E a manchete era para prepararmos alianças, pois vamos precisar delas.

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