O Presidente eleito, professor emérito, provou-se capaz de aprender: quem antes soçobrara (nas candidaturas a primeiro-ministro e a presidente da Câmara de Lisboa) por excesso de voluntarismo, triunfou agora com base na reserva mental. Não opinando, para não hostilizar. Não demarcando, para aglutinar. Não personalizando, para universalizar. Marcelo Rebelo de Sousa passou mais de uma dúzia de anos a dar notas e a distribuir sentenças. Desta vez, em estreia, não apareceu de peito feito: preferiu passar entre os pingos da chuva, para não estragar a popularidade acumulada..Construiu a sua imagem dando opinião sobre tudo, o que também lhe permitiu ser dono e senhor da sua agenda. Fez uma campanha "à Zé Maria" (o vencedor do primeiro Big Brother português, moço barranquenho que se furtava a confrontos e projetava uma ideia de sabedoria calma, depressa desfeita pela vida real), aderindo a uma moda política nacional: a gestão dos "silêncios inteligentes" (José Manuel Durão Barroso é o exemplo supremo) que, por algum tempo, nos soam a "superioridade moral" para depois se revelarem exemplos de vacuidade..Honra lhe seja feita, Marcelo venceu ontem o seu terceiro referendo - quando era líder do PSD, triunfou nas consultas populares sobre o aborto e sobre a regionalização. Agora, foi a sua figura telegénica que referendámos, com o auxílio de uma esquerda pouco empenhada e de mais uns quantos "candidatos" que, como era expectável, acabaram por arder na fogueira das vaidades. Fez falta António Guterres para equilibrar a balança. Mas aceita-se a sua sintética explicação: "O Presidente é um árbitro e eu gosto é de jogar à bola." Por apurar, fica o "equipamento" escolhido pelo novo presidente..Resta saber que Marcelo trabalhará em Belém: o "professor sabichão", como foi chamado, ou este Zé Maria da política. O segundo não nos serve para nada. Com o primeiro, corremos o risco de passar do autismo do presidente cessante, entrecortado com birras e teimosias que o encolheram drasticamente à vista de todos, para alguém ferozmente hiperativo. Suprema ironia é ver Passos Coelho e Paulo Portas entre os derrotados. O ex-primeiro-ministro por ter designado, em congresso partidário, um perfil de candidato (Rui Rio, para quem quis ler) em tudo oposto ao de Rebelo de Sousa. O chefe do CDS, de partida quiçá irrevogável, por ter engolido um sapo gigantesco com a defesa do voto em Marcelo, seu velho inimigo pessoal. Depois de, em eleições anteriores, ter apoiado Cavaco, seu alvo preferencial (ou único?) durante anos, bem pode dizer-se que fechou o seu ci-clo com arrependimentos e emendas. Restar-lhe-á, no futuro, uma candidatura à presidência. De quê? Depois logo se vê.