António Costa é um pragmático de esquerda. Os que se dizem pragmáticos são, às vezes, oportunistas: usam o rótulo para disfarçar a falta de princípios. Costa, diferentemente, é pragmático no melhor sentido do termo: se os resultados não concretizam as promessas dos princípios, temos de mudar as práticas para sermos fiéis aos princípios, em vez de persistir de olhos vendados em becos sem saída. Este é o segredo do carácter não convencional deste político: avalia a realidade, corrige erros, enfrenta problemas, procura soluções, mobiliza vontades, foca-se no que há a fazer e não na ideologia abstrata..Por estranho que pareça, radica aí a explicação para o seu desempenho no debate com Passos. Costa é mais genuíno quando o inaceitável o indigna. Foi isso que vimos acontecer perante um PM apostado apenas em construir uma versão do passado que lhe sirva de justificativa. Passos resignou-se e quer-nos resignados. O governo diz que Portugal está a crescer. Sim, mas os restantes países do ajustamento também. A Espanha cresce 3.0%, a Irlanda cerca de 6%, Portugal não ultrapassa 1,5%. Até a Grécia, no primeiro semestre deste ano, já cresceu mais do que Portugal. Passos contenta-se com pouco: os portugueses fizeram muitos sacrifícios, mas o governo não fez a sua parte, porque desprezou os verdadeiros motores do crescimento. O pior erro de um político - em democracia - é pensar no país como uma entidade abstrata: Passos caiu na armadilha da teoria Montenegro, segundo a qual "a vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor". Teoria que, aliás, subscreveu pessoalmente falando do sofrimento das pessoas como "efeito secundário" da "cura" que nos aplicou..António Costa revelou uma saudável relação com o passado ("não temos agora um programa assente em grandes obras públicas", "avaliámos o que antes fizemos bem e mal") e, com isso, também uma saudável relação com o futuro. Assumir o conhecimento e a inovação como base do desenvolvimento, em alternativa ao modelo dos baixos salários e da precariedade laboral, apostando num novo padrão de inserção nos mercados globais, mostra desassombro em retomar bandeiras que anteriores governos socialistas prestigiaram (como exemplifica a obra de Mariano Gago) e projeta no futuro uma ambição integrada e determinada. Ao mesmo tempo, humanista - quando identifica esse ponto como crucial para criar o emprego digno e de qualidade capaz de reverter a vaga de nova emigração..Num país desigual como o nosso, para cumprir o terceiro D de Abril há que mobilizar o melhor de nós. Não há melhores empresas sem melhores condições de trabalho, não há melhores empregos sem mais qualificação e mais responsabilidade partilhada, não há melhor economia sem melhor Estado, não há desenvolvimento sem uma Sociedade Decente, só há Democracia se contarmos com todos. E esse caminho só se trilha visando o futuro com os pés bem assentes na terra: com um pragmático de esquerda, como António Costa. Vamos a isto?